terça-feira, 18 de dezembro de 2007

O HOMEM DA MÁQUINA

Robério tinha pouco mais de cinqüenta anos de idade quando se deu o acontecido. Passaram-se mais de meses sem que a cidade falasse em outra coisa. Hoje, anos depois do fato ocorrido, sua estória é apenas um caso corriqueiro que apenas os bem idosos se lembram como digna de prosa.
Para falarmos do fato que tanto mexeu com a cabeça da cidade (cujo nome não revelarei, com o intuito de evitar dissabores e não tirar o privilégio do leitor de imaginar, visto que a imaginação é um dos maiores prazeres da leitura), é necessário tratarmos antes da vida do homem.

Robério viveu na tal cidade desde que nasceu. Bom menino, sempre se aplicou nos estudos e quando rapaz nunca foi de extravagâncias, prova disso é que após dois anos de relacionamento casou com Eugênia, sua primeira namorada. Quanto à profissão, nunca teve problemas em escolher: seu pai, o tenaz comerciante Álvaro Tostão era dono do “Empório Espartano” e Tostãozinho sabia desde tenra idade que seria o sucessor e prosseguidor dos feitos do valoroso pai. Portanto, a vida correu-lhe sempre de forma previsível, linear como um domingo chuvoso. Até que um dia, por volta de seus vinte e dois anos, ele descobriu a tal máquina.

Ninguém sabe explicar ao certo como foi. O que se sabe é que um belo dia (talvez não estivesse nem tão belo assim, mas sabe como é a mania do povo de adjetivar tudo), o, já então, dono do empório apareceu transbordando de alegria com a tal máquina. Passou o dia admirando o encantador objeto e mostrando aos amigos (sempre teve poucos) que apareceram por lá, fazendo questão de realçar suas qualidades e utilidades. Chegou a dizer que aquilo equivalia ao retorno de D.Sebastião. Em casa não falou de outra coisa com Eugênia e chamou o filho para apresentar-lhe o novo membro da família. Dizem as más línguas, que sua alegria naquele dia foi tanta a ponto dos gêmeos, David e Golias, terem sido gerados durante a noite, num espasmo de alegria que acordou três vizinhos e um galo.

Daí em diante a vida de Robério Tostão mudou. Como que hipnotizado, ele não largou mais a máquina um só minuto. Passava o dia inteiro cultuando-a, a ponto de negligenciar completamente os afazeres do empório e esquecer a família. Não foram poucas vezes em que foi surpreendido, nas primeiras horas do dia, ainda com a mesma roupa do dia anterior e vidrado na tal .

Quando os gêmeos nasceram, seis meses depois de gerados, ele recebeu a notícia sem tirar os olhos da dita cuja. E quando eles morreram, Golias viveu quatro dias e David seis, ele chorou abraçado na sua companheira extraconjugal. Eugênia, em um primeiro momento tentou trazer-lhe de volta pela razão. Esgotados os argumentos, partiu para a fé: fez promessas para todas as qualidades de Nossa Senhora, fez vigílias em templos evangélicos, consultou búzios e dois meses após um despacho nos trilhos do trem, decidiu pedir a separação. Não podia mais conviver com um homem que relegava a família a um segundo plano e vivia exclusivamente para a bendita máquina.

O marido aceitou de pronto a idéia e ainda colocou o empório à venda. Pediu à esposa que o deixasse morar na garagem, com a sua máquina, e dividiu o dinheiro do empório entre ela e os filhos. Eugênia aceitou servir-lhe duas refeições por dia, de modo que a parte dele na venda seria usada apenas para a conservação de sua relíquia.

Os anos passaram-se e Robério Tostão quase nunca foi visto longe de sua preciosidade. Quando Eugênia, monofóbica como tantas, casou com Charles (dizem por aí que os dois já andavam de caso quando ela ainda estava casada) e decidiu-se mudar para uma casa mais ampla e melhor localizada, ele não se moveu do seu refúgio.

Sua vida resumia-se a máquina. Era ela a emoção de seus prantos, a causa de seus risos, a fonte de suas preocupações, a razão de suas noites mal-dormidas. As crianças da vizinhança puseram-lhe o apelido de ”homem da máquina”, nome pelo qual certamente ouviam os pais se referir ao antigo dono do empório, e sempre que alguém o encontrava pela rua tratava de fazer algum comentário relativo ao alvo de sua adoração.

Foi na época do casamento de seu filho Juscelino que se deu o acontecido:

Robério não respondia mais aos amigos que lhe visitavam. Seus movimentos e reações eram sempre obedecendo aos comandos da máquina. Quem percebeu isso com mais astúcia foi Teodoro, amigo que morara muitos anos em Frankfurt, dizendo que a tal máquina havia absolvido totalmente a alma do pobre homem. Na época todos disseram que o “alemão” estava exagerando e que o comerciante apenas valorizava aquilo que conseguira adquirir como fruto de seu trabalho suado. Porém, as “rabugices” se concretizaram: só quem movimentava Tostãozinho era a máquina que ele julgava ser dono.

Foi nesse estado que o filho o deixou depois de entregar o convite de seu casamento. Pai e filho mal conversaram durante a visita. O pai totalmente submerso no mundo da máquina que naquele momento era o dele também e o filho tentando encontrar uma forma de se integrar ao “mundo-máquina”, apostando que assim poderiam se entender. Que nada! Juscelino saiu abatido, como se a sua raiz, a pessoa que lhe trouxe ao mundo nunca tivesse existido, como se a família Tostão fosse apenas um veículo para viabilizar a missão da máquina na Terra.

Dois meses depois, quando voltou à garagem, encontrou tudo como deixara. Exceto o pai. Abriu a porta e viu a máquina que jazia solitária no seu lugar de sempre. Em nenhum canto da tal garagem havia indícios da existência de seu progenitor. Quem entrasse ali naquele momento juraria que apenas a máquina vivera naquele lugar. Robério fora engolido, apagado de sua existência. Desaparecera para sempre e ninguém sabe como. O homem havia sucumbido aos delírios. Partiu de vez para o falso mundo prometido pela sua musa. O filho, perplexo, olhava para a Melpómene do seu criador, sem saber qual era o papel de quem naquela confusa trindade. Atônito, riu e chorou o destino dos Tostões.

Hoje em dia, nenhum membro da família Tostão reside na cidade. Juscelino emigrou, fazendo assim o caminho de volta do velho Álvaro. No endereço do empório existe uma franquia de lanchonete internacional e a casa, onde na tal garagem deu-se o misterioso sumiço, deu lugar a uma loja de departamentos.

Algumas entidades religiosas tentaram transformar o sumido em mártir, outros chegaram a psicografar mensagens com a sua assinatura e houve até vigílias para que o demônio que se apossou do desaparecido não tomasse conta do local. Estudantes levantaram teses e sociólogos escreveram artigos, à luz de teses que lhe garantissem notoriedade (muitos que pregaram o quão pernicioso era a relação do homem com a máquina, hoje a defendem sob o argumento de que os tempos são outros).

Se o homem ainda é lembrado deve-se a máquina. Quem for a tal localidade, constatará que a tal, hoje popularizada, exerce o mesmo fascínio em quase todos os moradores e o acontecido com a família Tostão é, quando muito, um assunto pueril.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

CANTO

Sexta-feira, manhã de sol, mês de novembro. Nos jardins da praia, um pássaro canta nas imediações do canal 3. Seu som é alto, não é preciso dinheiro para ouvi-lo cantar. Pode ser ouvido da avenida. Os carros, sempre imersos em seus CD Players e atormentados pelo trânsito infernal, permanecem indiferentes, mas os transeuntes demonstram interesse em conhecer o autor do surpreendente assobio.

O pássaro está em pé na areia. Tem o peito nu, a barba por fazer, o dorso bronzeado e as calças frouxas revelam os pêlos pubianos. Um homem cordial tentando restituir à natureza a alegria subtraída pela humanidade. Não dará autógrafos nem será assediado. Sua música é orgânica, contemplativa. Sua sensualidade não é fabricada por publicitários. Seu desleixo é rude, não arquitetado.

Rapidamente, o canto multiplica-se. Outros, atraídos pelo som do irmão solitário, respondem-lhe alegres e solidários. A resposta não vem da areia, nem do mar, tampouco das árvores do jardim. Vem do outro lado da avenida. De um prédio em construção. Um ninho de joões-de-barro, ou joões-de-cimento (construtores da moradia alheia), que se não prenunciam bons tempos com seus cantos ao menos nos trazem à lembrança um tempo onde as manhãs eram animadas pelos pássaros.

É um espetáculo alegre e harmônico. Da areia, o flaneur inicia o canto que encontra eco na obra. Cada qual do seu posto, um por vez, os pássaros em serviço respondem ao contato do maestro. A princípio alguns e em instantes dezenas de outros cantos são construídos paralelo ao prédio. Quando cessam, o nosso Orfeu, na areia, entoa um novo número que, como numa torcida organizada, rapidamente se propaga. Um instante fugaz de espontaneidade. Uma breve vitória da Santos sobre a $anto$, do Brasil sobre o Bra$il.

Os cantores seguem até saciarem-se. Não há jornalistas no local. A apresentação não estará nos informativos regionais, muito mais interessados em divulgar a violência e polarizar eleições do que procurar a ternura que não está perdida. O canto é deles para eles. Solidários na exclusão, na alegria e na autenticidade. A voz da massa.

Dois turistas estrangeiros divertem-se com o show. As árvores que aqui gorjeiam em nada se parecem com as de lá. Não há flashs. O espetáculo não cabe nas lentes. Os bebês que passeiam pelos jardins com avós, mães, pais e babás entram em contato com mais um canto da natureza. Ficará no subconsciente. Até quando haverá pássaros para embelezar suas manhãs?

O canário embriagado pára o canto, Baudelaire iletrado, com seus paraísos artificiais, segue cambaleante pela areia para juntar-se ao bando e deitar-se nos bancos próximos à Concha Acústica (vista como mau agouro pelos moradores dos prédios vizinhos na ocasião de sua inauguração).

Os joões-de-barro também cessam. Precisam dedicar-se à construção dos lares que nunca serão deles. Talvez tenham até sido repreendidos pelo chefe por causa da “bagunça”. Os olhos embotados de cimento e lágrimas seguem a construção cuja porta está voltada para o leste. Não tardará o dia que o alegre ninho dará lugar a um prédio cínico e silencioso na sua aparência embora cheio de alegrias, inseguranças e angústias represadas em seu interior. Imagem e semelhança de seus futuros moradores. Representante fiel de sua vizinhança.

Ao fim da tarde, nosso Ulisses ainda flanava pela cidade. Não mais cantava, falava sozinho e comia um pão despedaçado, como convém aos pássaros. Indiferente ao mundo indiferente, dirigia-se aos bares da Pompéia para molhar o bico com água que dizem que passarinhos não bebem. E, cantarolando um samba qualquer, seguiu sua odisséia. De homem e pássaro. De deus e espermatozóide.

* Publicado também no jornal "Página Dois" ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4341)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

POETIZANDO (DEZEMBRO/07)

A edição de verão da revista literária POETIZANDO nº. 27, terá seu lançamento no dia 14 de dezembro de 2007, das 20 às 22 horas, com sarau poético aberto ao público, na sede da Aliança Francesa de Santos.
A revista POETIZANDO é editada pelos poetas santistas Eunice Mendes e Walmor Colmenero e apresenta poemas, contos, crônicas, biografias, lendas, letras, folclore, etc. Entre outros nomes da literatura universal, figuram nesta edição: Fernando Pessoa, Euclides da Cunha, Victor Hugo, Catulle Mendés, Quevedo, Oscar Wilde, Marquesa D'Alorna, Júlio Herrera Y Reissig, Antero de Quental, Lima Barreto, Luciano de Samosata, etc. A seção dos autores contemporâneos apresenta: Carlos Cassel, Madô Martins, Anderson Braga Horta, Sérgio Bernardo, Nina Rodrigues, Glauco Mattoso, Cleberton Santos, Benilson Toniolo, Marcelo Lopes, Rogério Salgado, Leandro Rodrigues, etc. No sarau serão lançadas também as folhas poéticas O POETA e A POETISA e haverá sorteio de kits com material literário. A entrada é franca.
A Aliança Francesa fica na Rua Rio Grande do Norte 98 – Pompéia – Santos/SP – Fone: 3237-2403
Maiores informações:
http://www.revistapoetizando.blogspot.com/

Aproveito a ocasião para relançar o texto METAMORFOSES, de minha autoria, que estará na edição de dezembro da Poetizando.
Um humilde aperitivo.

METAMORFOSES

Semi analfabeto em país de analfabetos vira professor;
Curioso em país de ignorantes vira doutor;
Bandido em país de criminosos ganha cem anos de perdão;
Política no país dos mensalões vira profissão;
Vendedora no país do consumo vira rainha;
Drogas em país sem lei é farinha;
Travesti no país da mentira vira mulher;
Espoliação em país sem governo vira imposto;
Emprego no país da informalidade vira exploração;
Favela no país do turismo sexual vira ponto turístico;
Assentamento no país do latifúndio vira invasão;
Alimentação em país de esfomeados vira plano de governo;
Esporte no país do despreparo vira comércio;
Violência no país da injustiça vira espetáculo;
Teatro no país das concessões vira shopping center;
Seção de senado em país de espectadores vira programa de auditório;
Jornalismo no país da alienação vira fuxico;
Malha ferroviária no país das transportadoras vira sucata;
Música em país sem harmonia vira batuque;
Impunidade no país do jeitinho vira imunidade;
Habitação no país dos sem teto vira sonho;
Lixo no país do desperdício vira comida;
Cesta básica em país de desempregados vira prêmio;
Férias anuais no país das terceirizações viram privilegio;
Rio em país de merda vira esgoto;
Quer mais? Leia os jornais...

terça-feira, 6 de novembro de 2007

IDADE MÍDIA

“A mídia é o nosso aiatolá.”

A frase de Raul Seixas, presente no seu derradeiro álbum “A panela do Diabo”, define as relações de comunicação no nosso planeta. O mesmo poder divino creditado ao aiatolá, é dado aos meios de comunicação. São eles que decidem as músicas que serão apreciadas, os escritores que merecerão crédito, os artistas que terão o talento (ou a falta dele) reconhecido e qual parcela da população terá acesso a determinada informação.

A mídia “pensa” pela massa. Armados de microfones e câmeras, os cavaleiros televisivos decretam o que é bom e o que é ruim. Nas revistas e jornais, escrevem verdadeiras doutrinas de pensamento que levam o leitor não ao raciocínio, mas a aceitação da verdade fabricada.

Ou seja, se seguirmos uma linha de raciocínio próxima de Proudhon, constataremos que a mídia assassina os indivíduos que compõem a massa. Rouba-lhes o raciocínio, a liberdade de escolha e o senso de crítica e monopoliza os meios de informação e cultura ao sabor de seus próprios interesses. Aonde interessa o racismo, ela prega o apartheid; aonde interessa o corporativismo, ela prega a adaptação às mudanças; aonde interessa vender segurança, ela propaga a violência; e por aí vai.

Como definiu meu conterrâneo Plínio Marcos: “A cultura nas mãos dos poderosos constrangemais dos que as armas”. E a mídia é a bomba atômica do imperialismo. É através de suas verdades inventadas, de seus supérfluos vendidos como indispensáveis e da indução de ambições, que eles moldam os interesses da população aos interesses das corporações.

E é neste feudo que vivemos. Totalmente manuseados pelos dogmas e doutrinas de meios que visam perpetuar a servidão, insuflando o sonho da ascensão.

Porém, como sempre há uma brecha e é através dela que os cavalos atravessam as muralhas, a globalização corporativista também tem seu calcanhar: chama-se internet.

Se a invenção da imprensa no século XV gerou uma série de reavaliações, inclusive religiosa, devido ao maior número de pessoas que teria acesso à documentos e escritos, a anarquia (no bom sentido) de informações promovida pela internet pode alcançar os mesmos efeitos.

A vinte (talvez até dez) anos atrás, seria impensável para qualquer profissional, principalmente da área artística, lançar sua obra com um relativo alcance se estivesse fora da “panela midiática”. Hoje a coisa é diferente. Com seus blogs e sites, sua comunicação em rede, sua escala mundial, a internet é a democratização da informação. Escritores que não fazem o jogo das editoras conseguem publicar suas obras on line, músicos que não têm acesso aos esquemas das gravadoras podem lançar suas músicas sem interferências e atravessadores. O banda inglesa Radiohead gostou tanto da fórmula que decidiu lançar seu novo trabalho “In Rainbows” só pela internet (o interessado entra no site da banda e faz o download das músicas pelo preço que quiser; inclusive de graça, se assim quiser).

Novo Renascimento? Talvez. As mudanças causadas pela democratização de idéias e talentos promovida pela web já podem ser vistas a "olho nu". Provavelmente, ela será o mecenas que viabilizará as criações dos novos Dantes, Maquiavels e Michelângelos. A diversidade de textos e pontos de vista torna a internet uma fonte de informação e estudo, por vezes, muito mais eficaz que as cadeiras das univer$idade$ particulares. “O diploma universitário seria mais honesto se fosse vendido em papelaria.” (Paulo César Peréio).

O quarto poder está em xeque. Os meios de informação não podem mais serem controlados, as notícias não têm mais como serem negociadas. Qualquer pessoa com acesso à rede pode ler desde grandes obras da literatura até blogs independentes de autores não conhecidos. O acesso à cultura e à informação está democratizado. Quanto a separar o joio do trigo, cabe ao nosso sistema educacional preocupar-se menos com lucros e mais com ensino e mostrar aos nossos jovens que ser internauta é muito mais que acessar “chats” e exibir “fotinhas” com a “galerinha”.

O mundo mudou e muda a cada dia. Se a revolução causada pela internet apenas transformará o excesso de informação em um ruído ensurdecedor incapaz de transmitir algum tipo de mensagem ou será realmente uma renascença de idéias que proporcionará uma reavaliação comportamental, caberá a nós decidirmos o caminho. De qualquer forma, o monopólio da imprensa sobre a opinião pública está com os dias contados.

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia...”

* Publicado também no jornal Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4182)

O ÚLTIMO OUTSIDER

Uma verdadeira aula de humanidade e resistencia. Assim eu defino a entrevista do médico Patch Adams (aquele mesmo que foi estereotipado por Hollywood) exibida ontem (05.11.07) no programa Roda Viva da Tv Cultura.

Sem nenhum vínculo com a hipocrisia reinante, por alguns chamada de atitude politicamente correta, o Dr. Adams não fez questão nenhuma de esconder sua repugnância pelo sistema capitalista, pelos laboratórios farmacêuticos e pelo "American way'. Faltou apenas alguma pergunta sobre o sistema de saúde cubana. Infelizmente nenhum jornalista perguntou sobre, ou se perguntou foi cortado pela edição, e nós imaginamos o porquê.

Algumas idéias transmitidas na entrevista foram:

- "90% da população não pensam uma vez sequer durante os 365 dias do ano.";

- " Tenho vergonha de ser americano. Os E.U.A. é um país terrorista.";

- " Todo pensamento é positivo. Negativo é não pensar.";

- "A industria farmacêutica está comprando a Amazônia e vocês estão deixando.";

- "Enquanto as pessoas pensarem que qualidade de vida é ter uma casa confortável e um carro de último tipo, o mundo não terá salvação.";

- "O sistema capitalista levará nossa espécie à extinção.";

Vale a pena ressaltar que as frases acima não foram proferidas por nenhum "jovem inexperiente que não sabe como a vida funciona" ou por algum "excluído que por despeito critica o sistema"; elas saíram da boca de um homem com mais de setenta anos de idade, médico reconhecido internacionalmente e residente nos E.U.A., embora se envergonhe de ter nascido lá.

Parabéns ao Dr.Patch Adams. Não sei se o último, mas o outsider mais ativo da atualidade.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

COMENTÁRIOS

Indico aos leitores interessados nos dois textos abaixo ("CHECK UP" e "LIBERTAS QUAE SERA TAMEN") que leiam também os comentários. Eles complementam o texto.
Não, que os comentários estejam de acordo com a visão do autor (eu) do texto, mas servem como complemento por mostrarem diferentes sentimentos em relação aos temas. E, na minha opinião, são todos bem feitos e de grande força argumentativa. EU RECOMENDO.
Portanto leiam os textos, leiam os comentários e comentem. Afinal, comentar, pelo menos aqui, não é pecado.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

CHECK UP

Mais um edifício entulha a paisagem. A cada dia um novo andar, um novo plano, um novo financiamento. Adeus cheiro de grama , adeus árvores, adeus casas baixas e conversas no portão. Adeus paisagem na janela.

Os pedreiros correm. A construtora tem pressa, os novos proprietários têm pressa. Quadras, saunas, academias, cinemas, portões, sistema de monitoramento e shoppings. Segurança total. Muros altos cercarão o condomínio. Bem vindos à nova Idade Média.

Lembro-me de Lennon e sua imaginação: “é fácil, se você tentar.”. Se tentarmos, jovem John, não teremos dificuldades em construir um mundo justo. Um mundo sem portões e sem medo. Porém eu me pergunto: e quando esse mundo estiver construído, quem limpará os chãos da Europa? Quem se equilibrará nos andaimes para construir arranha-céus? Quem limpará a imundice dos banheiros públicos? Quem aumentará a porcentagem de desempregados (de fundamental importância para que os empregados se submetam às explorações para não perder o disputado emprego)? Não basta imaginar, meu poeta. Será preciso uma reforma de ideais.

Talvez Marcuse estivesse com a razão. Talvez a redenção venha dos “outsiders”, dos renegados, dos países periféricos do terceiro mundo. Mas, olhemos o nosso País:
Onde estão os “outsiders”? O que vemos é uma correria rumo ao sistema. Quem está dentro não sai de jeito nenhum e quem está fora quer entrar de qualquer jeito, mesmo que para isso seja necessário matar, morrer ou emigrar. Mesmo que seja necessário colaborar com o sistema imbecilizante. Mesmo que vencer signifique perder. Não Marcuse, não há mais lugar para os “outsiders”, eles são figuras do passado. Maio de 1968 está longe demais. Hoje quem sai às ruas, sai para reclamar sua fatia no bolo do consumo. O sonho de explorar faz com que se aceite a exploração. Como constatou Nabuco de Araújo, o senhor está no escravo e o escravo está no senhor.

Ray Simith (Kerouac) e Japhy Rider distantes da civilização e sem vontade de voltar. ”Enfiem o progresso no rabo”. Vagabundos iluminados. “Toda montanha é um Buda”. Milhares de rapazes latino-americanos, com dinheiro no banco, vivem ilegalmente nos Estados Unidos da América. Sonham com o green card, com o american way. Enquanto no Brasil, o delírio é o regime. A mídia atordoante prega o conformismo, a adaptação às mudanças do mundo corporativista. Filhos sucedem pais nas artes, nas administrações, na política e na miséria. Nada de novo no front.

O sonho cubano está embargado. O negócio é consumir bugigangas da China, usar nossos eletrodomésticos à exaustão, engarrafarmo-nos em congestionamentos, nos entupir com as químicas dos laboratórios e enlouquecer em academias e shoppings. E foda-se o Planeta! Fodam-se os escravos! A luta pelo conforto é a busca do ócio legitimado.

Não há mais espaço para a grande recusa. Adeus Guevara. Adeus Francisco de Assis. A cada esquina um novo edifício aumenta um andar. Em cada lar o sonho de consumo corrói um cérebro indefeso. A cada dia a vida se esvai. A cada hora a máquina aumenta suas cifras, seu poder de destruição e sedução. A cada minuto uma nova armadilha. Uma nova guerra, um novo medo, um novo vício.

Pois saibam que ainda estão rolando os dados. A palavra cantada de Paulo Tatit dissemina a sensibilidade nos corações férteis e Carlinhos Brown nos mostra que ainda não sonhamos e que tudo recomeça. Quem sabe, os jovens, sem clubes e sem esquinas, acordem de um sonho estranho e os pedreiros sigam o conselho de Rubem Braga trocando as obras e o parco salário por dias inteiros de jogo de petecas nas praias. E dos corações atarantados poderá ressurgir o amor; dos cérebros anestesiados, as grandes idéias; do ócio, a criação e dos sonhos destroçados se fará a utopia.

"You may say I’m a dreamer but I’m not the only one... "


* Publicado também no jornal "Página Dois" (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4146) e no site "Templo XV" (http://temploxv.pro.br/obraxv.aspx?idObra=339&Entidade=4&idAutor=6901).

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

LIBERTAS QUAE SERA TAMEN

Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós!

Onde está a tão sonhada liberdade? Não a liberdade, sem pão e sem poesia, prometida pelos liberais capitalistas nem a liberdade cara-de-pau do rapaz que, acorrentado ao estigma de bad boy, gritava: "I’m free to do what I want...” e muito menos aquela que alguns viram raiar no horizonte do Brasil.

A pergunta é: Onde está a liberdade do ser - humano de ser humano? A liberdade das contradições e enganos. A liberdade de viver.

Vivemos no mundo-máquina do homem de negócios, do homem-negócio, do ser-produto. Cada um com seus rótulos e problemas. Perseguindo títulos para aprisionarmo-nos neles. E ali vivermos, falsificados e tranqüilos.

“O ser – humano está condenado à liberdade.” Engano seu, Sartre. O ser – humano condenou a liberdade. Ela está fora do nosso cardápio. Nascemos e crescemos procurando uma embalagem que nos acalente, que nos dê uma identidade, um grupo, um gueto. Um rótulo que pense por nós.

E nessa selva de clichês, nesse emaranhado de pensamentos pré-concebidos e raciocínios fabricados é que nos reproduzimos. Assim perpetuamos o nosso vazio existencial, transmitimos o legado de nossa miséria, a nossa aglomerada solidão, é verdade Tom Zé, ou o nosso defeito de fabricação.

Não, não queremos a liberdade, Bilac. Queremos que as asas dela fiquem bem distantes de nós. O que buscamos é espaço no mercado. Queremos nos vender. Queremos uma prateleira que nos aceite e que nos qualifique. Somos muitos Severinos, iguais em tudo na vida.
Queremos rotular e sermos rotulados. Morrer de tédio e vício. Assim nos mataremos. “A liberdade é a lei humana”, sentenciou Victor Hugo. É uma pena, pensador, estamos cumprindo pena. Perdemos a lei e estamos em leilão. Somos produtos no mercado. No mercado de trabalho, no mercado de consumo, no mercado do sexo.

Nossa única necessidade é consumir o mercado que nos consome. Adeus fogo. Adeus poetas. São demais os perigos desta vida para quem tem paixão. Descartes cartesianos. Nunca mais o humano, apenas o super-homem, a super-máquina. O politicamente correto.

Tempo de homens partidos. De futebolistas robôs. De workaholics. De música eletrônica. De namoros virtuais. De substantivos subtraídos. Nosso mundo é o dos adjetivos. Das propagandas. Dos meios-mensagens.

Tempos modernos de Carlitos mecanizados e vencedores perdidos. Tempo do homem morto, da ternura perdida. Andy Warhol triunfa. Em cada esquina uma pop star estilizada busca seus quinze minutos. Tempo de formigas disfarçadas de cigarras.

Tempo de choro e ranger de dentes. De estereótipos e arquétipos. De signos e números. Tempo de solidão. Tempo de prisões e propriedades. Tempo de cobiça. De tropas e elites. Tempo, tempo, tempo, tempo...

Lutemos pelo planeta. O mundo vai acabar. Não, o mundo não acabará. O ser – humano é que irá desaparecer. Ou já desapareceu. Ou ainda não floresceu.

Liberdade, Liberdade. Paulo Autran viverá para sempre. “A canção está morta” (Chico). Não é bem assim, meu caro Buarque. As canções serão eternas nos corações resistentes dos homens cordiais.

Libertemo-nos! Liberdade ainda que tardia. Descubramos nossa missão. O tempo é curto. Na Oficina há uma vela. Ouçamos o som do sim. Somos os únicos seres capazes de comoção. Tira, põe, deixa ficar...

Humanizemos nossas vidas. Enxerguemos o mundo. Os mundos no mundo. Cultivemos nossas contradições e metamorfoses, nossas diferenças. Sem rótulos. Sem raças. Sem religiões. Sem profissões e sem classes. Sem governos e sem fronteiras. Somente o ser, o humano. O demasiado humano.

* Publicado também no jornal Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4109)

terça-feira, 9 de outubro de 2007

UNAM-SE, MOBILIZEM-SE, LUTEM!

O que é a nossa democracia?

Se pensarmos no significado da palavra (do grego, demos=povo + krato=governo) entenderemos que é um governo, como definiu Abrahan Lincoln, do povo para o povo. Porém segundo Nelson Mandela, uma democracia com fome, sem saúde e educação para a maioria, é uma concha vazia. Essas definições servem como ponto de partida para analisarmos alguns acontecimentos e tentarmos encontrar possibilidades de melhora.

O editorial do dia 07 de outubro de um jornal de Santos deu o pontapé inicial para polarizar as eleições municipais do próximo ano. Como é de costume, a argumentação veio recheada de meias palavras, mas deixando claro o propósito: sentenciar quais os candidatos que poderão ganhar as eleições.

Pensemos: Quais seriam os resultados das eleições caso não houvesse pesquisas? As pesquisas estão a serviço da população ou servindo a outros interesses? Como teremos uma mudança estrutural no nosso País se a melhor forma de mudarmos isso, o voto, também está corrompida?

Já é mais do que sabido que os grandes meios de comunicação brasileiros não atendem aos interesses da população e sim aos de uma minoria que busca se manter eternamente no poder. Sendo assim, não são democráticos, embora preguem a democracia quando lhes é conveniente. No dia 5 de outubro venceram as concessões de grandes emissoras de rádio e televisão, algumas manifestações reivindicando maior transparência nas concessões ocorreram em várias cidades, mas a grande massa nem sequer ficou sabendo. E por quê?

Elementar, meus caros Watsons! Porque os meios de comunicação, os Kanes dos trópicos, jamais levariam ao conhecimento do povo uma proposta de reavaliação de suas próprias condutas. A renovação automática, é isso o que acontece quando vencem as concessões, é perfeita para seus interesses. E para os interesses do povo?

Será que uma concessão pública, ou seja, do povo, não deveria ter a obrigação de colaborar na educação, exercício da cidadania e esclarecimento da maioria? Será que ao invés de tratar dos próprios interesses, a obrigação desses meios não seria o de tratar dos interesses do País (não do governo, do País!) que lhes deu a concessão? Onde está a democracia?

Um “Recordações do escrivão Isaías caminha” escrito em 2007 traria uma imprensa menos repugnante que aquela retratada por Lima Barreto em 1908? Ou será que para nós o tempo está parado?

Como esperar que um país que tem Educação mais como uma fonte inesgotável de demagogia (e lucro!!!) que como uma forma de progresso, que tem os meios de comunicação mais a serviço de interesses manipuladores que de informação ao povo, seja democrático?

De que adianta pregar-se uma reforma política se a última palavra é sempre dada pelo poder econômico?

Como cobrar voto consciente de uma população que quanto mais tenta informar-se mais desinformada fica? Como esperar ensino de qualidade de empresários que abrem escolas e universidades visando o lucro, de um Estado mais preocupado com suas brigas partidárias que com o esclarecimento de seu povo?

Como esperar que a violência social seja sanada se os interesses econômicos estão acima do bem estar da população? Como esperar uma melhora do sistema de saúde pública quando a saúde privada virou fonte de renda para corporações?

Como buscar saída na arte se os produtores de cinema, os escritores e dramaturgos, para atingir um público significativo têm que buscar apoio no opressor poder econômico?

Como esperar um interesse social e uma atitude revolucionária de uma juventude que foi educada por uma vendedora via-satélite e entretenimentos importados de conteúdo colonialista?

Com uma democracia baseada em campanhas milionárias que partido consegue chegar ao governo sem entrar em conchavo com o tal poder?

Há quinhentos anos é assim! Quando deixamos de ser colônia foi porque era do interesse das oligarquias que deixássemos; se nos transformamos em Republica foi mais para atender a interesses elitistas que para beneficiar a nação. E assim as coisas sempre aconteceram, salvo raríssimas exceções.

Nossos amigos da América do Sul (vide Venezuela, Bolívia e Equador) já despertaram e estão cuidando dos seus interesses. E nós? Perderemos mais uma vez o “trem da História” e continuaremos servindo de fantoches para os interesses imperialistas, votando com base em pesquisas tendenciosas e buscando informações em meios manipuladores?

Não foi se curvando ao mercado ou classificando a situação como imutável que Gandhi conseguiu livrar a Índia da opressão inglesa. E nós? O que faremos? Continuaremos confundindo passividade com pacifismo?

Se as pessoas que tencionam construir um Brasil mais justo e verdadeiramente democrático (se é que a democracia não é uma piada como sentenciou Saramago) não começarem a agir já, através de atitudes esclarecedoras, de um exercício mais eficaz da cidadania e de um pensamento mais global e não voltado ao egoísmo (a sociedade alternativa está dentro de cada um de nós), a situação se prolongara por mais quinhentos anos.

Porque no que depender dos grandes meios de comunicação e do poder econômico que os patrocinam o objetivo será sempre o lucro da minoria, nem que para isso seja necessário inventar guerras e epidemias.

*Publicado também no jornal Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4069)

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

SAUDADES DE SANTOS

Em ti, sinto saudades tua.
Saudades de tuas casas baixas,
Dos corsos e carnavais de salão.
Saudades dos coqueiros, em filas sem fim...

Sinto falta dos amigos que (e)migraram,
Da poesia do comércio, do amor dos estrangeiros,
Do dramaturgo perdido na noite suja
E da fonte que corria levando a flor...

Saudades dos teus quilombos
Da tua força portuária,
Dos cobradores nos ônibus,
Da tua História de lutas.

Mas ainda temos teus jardins.
Horto, Orquidário. Olhar Caiçara.
Postos de salvação. De salvamento.
A leve esperança e o teu cheiro de mar...

*Publicado também no site "Vamos ler +"(http://www.vamosler.viamep.com/2007/10/saudades-de-santos-leandro-rodrigues.html) e na Revista Poetizando (edição outono/2008)

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

HUMANOS

Um filme é o ponto de vista de um diretor sobre determinado tema.

Uso esta definição para falar sobre “Tropa de Elite”. O filme em questão, que traz elementos “pop” já usados em “Pulp Fiction” e “Cidade de Deus”, está longe de ser ruim. Conta uma estória (baseada no livro “Elite da Tropa”) bem em pauta no nosso cotidiano e uma produção competente. Mas, a intenção não é fazer uma crítica de cinema e sim falar de nós. Outra vez.

“Tropa de Elite” mostra o nosso dilema (Estado – Polícia – Corrupção – Tráfico – População) sob o ponto de vista de um policial idealista. A humanização da figura do policial do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) é um ponto importante para pensarmos nossa realidade. Porém a estória é contada sob o ponto de vista de alguém que considera que vivemos numa guerra e que o tráfico de drogas ilícitas é o maior inimigo do País. Aí está o calcanhar de Aquiles.

Quem conhece a História da nossa “Mãe Gentil” sabe que os nossos problemas sociais não têm origem no tráfico de drogas ilícitas. O nosso verdadeiro inimigo é a desigualdade abismal, que encontra paralelo apenas na Nigéria e Serra Leoa. O tráfico de drogas ilícitas é apenas a ponta de um iceberg que tem suas raízes no latifúndio, na concentração de renda, na manipulação dos meios de comunicação, no péssimo sistema de educação que resulta numa cidadania rota e em uma espécie de perpetuação das capitanias hereditárias. O desconhecimento, ou a não relevância, dessas causas esvazia o idealismo do herói.

Combatem-se criminosos e não o crime e suas causas. Conforme definiu o jornalista Caco Barcellos, é um ideal que tem como ponto de partida o preconceito. A questão do tráfico de drogas ilícitas pode ser resolvida facilmente pela lógica e não pela força. Afinal, quem torna esse negócio rentável são justamente as supostas vítimas dessa suposta guerra, ou seja, as pessoas da classe média e alta que consomem as tais drogas e compram objetos de furtos e roubos, e não os traficantes e os moradores das favelas. Assim também, o discurso que faz do policial o vilão esvazia-se. Ele também é vítima dos mesmos enganos.

Não foi criando esquadrões de “justiceiros” que Antanas Mockus, na prefeitura de Bogotá (Capital da Colômbia, na ocasião um país dominado pelo tráfico), venceu a violência que imperava na cidade. A questão foi equacionada através da “cultura cidadã”, uma série de ações que despertava a consciência de cidadania na população (policiais formadores de cidadãos, mímica nas faixas de trânsito, plano de desarmamento, lei Zanahoria, etc.).

Acima de policiais, traficantes, universitários, camelôs, políticos ou qualquer outro rótulo social, todos somos seres-humanos buscando a felicidade de acordo com a educação que recebemos, com os valores morais que temos como referência e com as possibilidades que encontramos para realizarmos aspirações que julgamos importantes.

O Brasil realmente vive uma guerra. Mas, esta guerra já dura quinhentos anos. Ela foi a responsável pela dizimação dos índios, pela desastrada abolição da escravatura (que não libertou, apenas deixou os negros “na mão”), pelo êxodo rural que entupiu as capitais, pela exportação em massa de nossos jovens como mão-de-obra barata e por todo esse sentimento de caos que domina a nossa população. Encarar como apenas uma guerra contra o tráfico é esconder, mais uma vez, a sujeira para debaixo do tapete. É como jogar xadrez sem visar atingir o rei inimigo, concentrando força apenas no ataque aos peões.

“Tropa de Elite” cumpre um papel importante ao humanizar a figura do policial (chega de Robocops!), expondo seus anseios e ideais, seus enganos e contradições. Porém, manifestações artísticas são apenas pontos de vista. Toma-las como parâmetro único para explicar a nossa realidade não é o aconselhável quando a intenção é construir uma sociedade conscienciosa.

A refazenda, de valores, posses e posições, proposta há mais de trinta anos por Gilberto Gil, faz-se cada vez mais urgente. Tomaremos atitudes conscientes em relação aos nossos problemas, usando as “armas” que possuímos (o voto consciente é uma delas, mas para isto é necessário conhecer nossa História e os nossos reais interesses.) para enfrentá-las ou continuaremos por mais quinhentos anos criando soluções simplistas com o intuito de arrastá-los ao invés de resolvê-los?

Afinal, como nos ensinou Fernando Pessoa: quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor.


*Publicado também no Jornal Página Dois ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4025)

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

SANTOS PROTETORES

Orquestra de araras, Festas de orquídeas.
Estufas com efeitos vitais; Josés e meninos.
Fotossínteses em meio a flashs.
Crianças brincam, Corre cotia.

Ninfa nua, canto da natureza.
Francisco de Assis, recanto.
Árvores meditam longe do machado
Das almas carentes de Machado.

Famílias passeiam fora da jaula.
Pássaro formoso, cauda aberta em leque.
Macaco Aranha. Arranha-céus. Monopólio.
Deus proteja o Orquidário!

Publicado também no jornal "Página Dois" (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3990)

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

REVISTA POETIZANDO - EDIÇÃO DE PRIMAVERA

O lançamento da Edição de Primavera da Revista Poetizando, realizado na última sexta, dia 21, na Aliança Francesa, foi simplismente maravilhoso.
Além da qualidade e do bom gosto do casal Walmor e Eunice, os editores da revista, o recital poético foi confortante no sentido de percebermos que a nossa cidade de Santos não está literalmente morta.
Para mim é sempre motivo de orgulho ter meus textos publicados neste exemplo de amor à literatura. Como nos ensinou nosso conterrâneo Plínio Marcos: onde houver autoridade não pode haver criatividade. Eis um exemplo de liberdade a favor da criatividade.
Para quem quiser conhecer melhor, deixo abaixo o link do blog da publicação, mas advirto:
O blog é apenas um aperitivo, pois a beleza do trabalho artesanal que a revista contém não pode ser reproduzido na máquina. Afinal, a Poetizando é uma revista humana.

http://revistapoetizando.blogspot.com/

Parabéns aos meus queridos, Walmor e Eunice.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

COMENTANDO COMENTÁRIOS (NOSSA FORMAÇÃO)

Divergentes e complemantares!
Assim foram os comentários do texto "Nossa formação".
Os comentários de Leonardo Machado, Celso Lungaretti( http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/, eu recomendo!!!), Wagner Alencar e Walmir Carvalho( http://walmir.carvalho.zip.net/) complementam( e até elucidam,de certa forma) de maneira inteligente e perspicaz o texto que escrevi. Obrigado amigos.
Zilmara(sempre presente,sempre forte!) e Talita exprimiram bem o sentimento que nos abate em relação às multiplas verdades criadas. A força yin me comove sempre...
Douglas botou lenha na fogueira política...
Enfim, fico feliz pelo meu texto ter colaborado para essas reflexões. Comentar não é pecado!!!
A intenção é essa: despertar (não fabricar) opiniões.
A união é a nossa força!!!

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

NOSSA FORMAÇÃO

Vamos falar de nós.


O senador Renan Calheiros continua senador e ocupando a presidência do senado. Pelas esquinas ouvem-se lamúrias e reclamações acerca da estrutura política do País e do comportamento de nossos governantes. E uma pergunta não cala: quem são os inocentes?


Até que ponto não somos cúmplices da estrutura que perpetua o nosso País no paradigma de não ser um País sério? Nem o senador Renan nem os senadores que votaram pela sua absolvição estão lá por nomeação. Foram todos eleitos. Eleitos por uma população que vê beleza em não se interessar por política. Eleitos por uma população que vota com displicência, como se as eleições tivesse a mesma importância que qualquer enquete boboca que as TVs e a internet promovem todos os dias. Perdão; algumas pessoas refletem mais para escolher o vencedor de qualquer reality show que para votar para senador.


Se Renan Calheiros fosse cassado estaríamos todos (orientados pela mídia atordoante e seus sorridentes jornalistas) com a sensação de dever cumprido. No entanto, os corruptores continuariam com seus esquemas; as leis de trânsito continuariam sendo ignoradas (existe no mundo moderno alguma demonstração maior de barbárie que o trânsito brasileiro?); os cidadãos de bem continuariam comprando objetos roubados; as oficinas de desmanche de carros roubados continuariam vendendo suas peças para exemplares pais de família; as faculdades continuariam trocando diplomas por dinheiro e nas próximas eleições mais um show de displicência seria apresentado nas urnas. E todos nós teríamos a certeza de que as coisas (é verdade, Drummond: são tão fortes as coisas!) estariam melhorando, como se a (des)moralização de um país dependesse de uma cassação.


Pergunto: qual seria o grande avanço? Presidentes já tiveram o mandato interrompido, inúmeros deputados e senadores já foram cassados, já tivemos CPIs para todos os gostos e preferências, e o que mudou? O Brasil continua sendo a Eldorado de Glauber Rocha, com seus Diaz, suas Explints, seus Vieiras e seu eterno transe. Se nada mais sério acontece como reação ao descaso com que os interesses do País são tratados por nossos legisladores é porque no fundo, bem lá no fundo, sabemos que somos farinhas do mesmo saco. Se uma reavaliação moral, uma revolução de valores, não acontece é porque sabemos que o descaso deles é também o nosso; é porque para nós, assim como para eles, o interesse comunitário está sempre abaixo dos interesses pessoais.


A festa de bandeiras com guerra e Cristo na mesma posição, que Glauber julgava não ser mais possível continuar, ainda é a nossa mais perfeita alegoria. Sempre um escândalo precedido e precedendo o descaso. Sempre o mau gosto, a ganância e ignorância da elite monarca (não se iludam, eles não cansam), sempre a subserviência e o entreguismo da mídia catequista, sempre o messianismo preguiçoso da classe média bandeirante e sempre a ingenuidade e impotência da fé das massas selvagens. Essa é a nossa cara. Esse é o nosso negócio. Há quarenta anos um gênio do cinema retratou os descaminhos desse jogo insano e, há vinte, um poeta da música popular, armado de nojo e mágoas, aconselhou-nos ir à luta. O jovem cineasta morreu e o jovem poeta também. E tudo permanece intocável. Como se nada nunca acontecesse. Como se estivéssemos parados em um tempo estático em que os acontecimentos diários se desfazem ao anoitecer e no dia seguinte tudo volta para o lugar onde estava, cada qual no seu canto e em cada canto uma dor, para repetir-se. Sem passado e nem futuro. Sem remorsos e nem perspectivas. Apenas a falsa paz sem voz.


Como diz o ditado: há males que vêm para o bem. A não cassação do senador Renan é uma ótima oportunidade de pararmos um dia, não para dizer que cansamos, mas para fazer um mea-culpa e analisarmos o quanto cada um de nós abandonou os interesses do nosso País para satisfazer nossas mesquinhas ambições sem percebermos que nós, o povo, somos a única força capaz de mudar a História.


Se não começarmos por nós mesmos, por livre e espontânea vontade, a construção de um país decente, nenhum messias o fará por nós.

* Publicado também no jornal "Página Dois" ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3966)

USE - ME (Bebel Mendonça/ Leandro Rodrigues)

Abaixo posto um poema que a tradutora,poeta e acima de tudo minha amiga, Bebel Mendonça enviou-me, pedindo para mudar o que achasse necessário. Como não vi necessidade de mudar nada (achei belíssimo), decidi dar o título e incluir uma segunda parte.


USE-ME

Não,não atente para o que digo
capte nas entrelinhas do meu silêncio,
meu mais capcioso silêncio,
é sempre ele que fala por mim.
Não,não atente par o que digo,
veja o que faço
o que tenho feito
e o que deixo de fazer.
Não,não atente para o que digo.
veja pra onde levam meus passos.
Palavras são de dizer, intencionais ou não.
Palavras ficam ou vão
se dissipam no tempo
que me interessa é o ato
esse sim é perene
indelével
a palavra é de todos
o sentimento é de umsó
um unicamente.

Sim, use-me em ti
Objeto direto
Abstração do concreto
Língua e lábios,
Labirinto, palavras.
Use-me
Até que eu perca os sentidos
Os cinco
Cínicos
Oníricos, Lirismo gestual
Use-me sem sentido
Sentindo
E eu uso-te são
tesão.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Comentando comentários (VIDA)

Excelentes, na minha opinião, os comentários postados por Zilmara e Walmir sobre o texto "VIDA".
Zilmara usou o texto como um espelho para as angustias e anseios de sua vida e espero que isso traga resultados positivos, afinal a minha finalidade é acrescentar algo positivo para os leitores dos meus textos; Walmir procurou as bases filosóficas que me inspiraram a compor o texto, e talvez tenha encontrado. Os textos socráticos de Platão realmente "fizeram a mina cabeça". No que se refere à preguiça, confesso-lhe que ela está bem presente no meu processo de criação atual.
Quanto ao comentrário de Fabio Lobo: poderia ser de um fã se não fosse de um amigo. A amizade leva-nos a enxergar com lente de aumento as qualidades de nossos amigos. O texto "TESOUROS DA JUVENTUDE" está arquivado no longínquo mês de julho, sua apreciação já é uma vitória para um texto que eu considerava natimorto. Postarei o comentário abaixo do texto.
Enfim, comentar não é pecado. É sempre agradável perceber que ainda existem pessoas que expressam suas opiniões.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

VIDA

- “ Viver é sofrer.” Sabe rapaz, quando Schopenhauer me disse isto, eu era garoto, muito garoto. Uma criança. Aliás, ele não me disse diretamente, disse indiretamente para um tio meu, que achou genial e decidiu repetir em todas as conversas. Foi em uma das conversas dele com meus pais que eu ouvi. E fiquei impressionado. Não porque fosse alguma novidade, até porque não era. O padre toda semana falava pra gente que o mundo é um vale de lágrimas e que Paraíso só depois da morte e olhe lá. Mas, dito desta forma enfática impressionou muito a criança que eu era. Viver é sofrer. Sabe garoto, até hoje, depois de tantas coisas, depois de perceber que não é bem assim, essa frase parece que ainda ecoa na minha cabeça...

- Quantos anos o senhor tem?

- Hahaha...Eu sei lá... Quantos anos você tem?

- Eu tenho vinte e dois. Na verdade vinte e um, completarei vinte e dois no mês que vem.

- Isso é o que você acredita. Por isso faz sentido pra você. Pra mim não quer dizer nada. Se ainda nos guiássemos pelo calendário romano você já estaria com vinte e cinco, e sabe que diferença faria? Nenhuma. Portanto, se você dissesse vinte, quarenta, dez ou sessenta seria a mesma coisa para mim...

- Mas, quanto mais os anos passam mais sabedoria adquirimos...

- Por quê? Já sei, porque alguém te disse isso e você acreditou. Agora eu te pergunto: Você acha que a vida, por si só, ensina alguma coisa a alguém?

- A vida por si só, não. Mas, a vivência...

- Vivência. Ótimo termo. Sabe garoto, quando eu era jovem eu ouvia tanta besteira vinda de pessoas que teoricamente tinham mais vivência que eu que se tivesse acreditado neles talvez estivesse choramingando para você as merdas que me aconteceram. Mas, eu era diferente de você. Eu questionava. E questionando percebi que eles não tinham resposta para perguntas que fugissem do roteiro. Daquilo que fosse além do que eles aprenderam a pensar. E sabe por quê? Porque a cabeça deles não raciocinava. O cérebro servia apenas de depósito para raciocínios pré-concebidos. Idéias prontas que eles absorviam e arrotavam como se tivesse raciocinado aquilo. É por isso que qualquer jerico quando atinge certa idade passa a bradar suas asneiras como sendo verdades absolutas para outros jericos que sem raciocinar tomam aquilo como parâmetro e por aí vai. E eu te pergunto: Que diabos é a tal vivência, se eles nunca olharam para a vida? É por isso que a idade não me vale de porra nenhuma, entendeu? Porque um dia, dois, uma semana, um ano ou coisa que o valha não acrescenta nada a ninguém. Repetir o que já foi dito, sem usar o raciocínio, sem procurar entender o sentido das coisas, é rodar em círculo e isso pra mim não é viver, portanto, não traz nenhuma vivência.

- Mas, e aquilo que lemos?

- Ah, meu caro. Ler não significa aceitar, sem questionamento, as verdades do autor. Eu já li tanta baboseira com o rótulo de clássico que se tivesse aceitado tudo aquilo eles teriam inutilizado o meu cérebro. Alguns autores mudaram minha vida, minha forma de ver o mundo. Mas, eles só conseguiram isso porque eu os questionei antes de concordar com eles. Caso contrário continuaria o mesmo, com a única diferença que as palavras deles ficariam se misturando com minhas velhas idéias como se fosse um polimento, cuja única função seria dar ao velho a impressão de novo. Mas, preste bem atenção: eu questionei todos eles. Ninguém me doutrinou. Quando eu era uma criança me ensinaram que a vida é um vale de lágrimas, depois meu tio aceitou a filosofia de que viver é sofrer e tentou me fazer acreditar nisso, eu não acreditei. E sabe o que aconteceu? Eu sou um homem feliz. Apaixonei-me, fui feliz; casamos, fomos felizes; meus filhos nasceram e fomos ainda mais felizes; enviuvei e sou feliz.

- Não sofreu com a morte da sua esposa?

- Por que deveria? Como escreveu o meu querido poeta: A dor é inevitável, o sofrimento é opcional. Ela foi a mulher da minha vida, nosso amor está perpetuado em nossos filhos, netos, bisnetos e o que mais vier pela frente. Vivemos uma estória maravilhosa e ela terminou a vida de maneira esplendorosa. Qual é o motivo de sofrimento?

- É... O senhor deu sorte.

- Sorte. É uma boa palavra. Eu também a usaria se meu cérebro fosse mais preguiçoso. Mas, se eu te contar a minha vida talvez você perceba alguma coisa além de sorte.

- E a sua vida profissional? Como foi?

- Vida profissional? Eu não conheço. Minha vida é só esta, se tem outra eu não conheço.

- Você falou da sua vida sentimental e eu me interessei em saber também sobre a profissional. Qual foi a sua profissão?

- Ah entendi. Desculpe, é que pra mim a vida é uma só. Mas, minha vida inteira foi maravilhosa. Eu trabalhei como projetista de cinema, foi sensacional. Assisti fitas inesquecíveis e mais de uma vez. Lembro-me até hoje de uma cena de “Um bonde chamado desejo” que a personagem de Vivian Leigh diz que a morte é o oposto do desejo. Essa frase talvez explique porque a personagem dela sofre tanto. Para ela viver era sofrer.

- Não entendi. Eu concordo com a frase dela. Pra mim viver é isso, é sonhar e correr atrás dos sonhos. Não vejo conexão nenhuma com sofrimento.

- Eu vejo. “Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.” Talvez o Drummond concordasse comigo... Mas, de qualquer forma, boa sorte. Espero que você realize seus sonhos...

- No que depender da minha determinação, eles serão todos realizados. Formo-me ano que vem e já consegui um estágio em uma empresa de grande porte. Aquele carro estacionado lá fora é meu, comprei com o meu dinheiro. Muita gente pensa que foi presente de minha mãe, mas não. Comprei com o meu dinheiro. O senhor nunca tentou a carreira de cineasta ou de ator?

- Não.

- Por quê? O senhor, pelo visto, adora cinema...

- Porque não sou artista. Muita gente pensa que gostar de arte é ser artista. E o que acontece? A falta de talento deles achincalha a arte que tanto admiram. Isso quando não confundem entretenimento com arte. Arte é arte. Emprego é emprego. Eu poderia trabalhar numa locadora de filmes, com certeza seria mais útil que esses corpos jovens que confundem cinema com vídeo game. Para você admirar a arte é preciso refinar sua sensibilidade. A apreciação artística é feita muito mais pelo coração que pelo cérebro. Mas, o pouco que sabem, eu diria quase nada, para eles é mais do que suficiente. E eu...sou um velho.Deixa pra lá.

- Juliano, não presta muita atenção no que o meu pai fala porque ele só gosta de provocar.

- Fica tranqüila, Dona Clara. Estamos nos divertindo muito.

- Sabe garoto, no princípio me trataram como rebelde, depois me tomaram por sonhador e agora por débil mental. Veja você, eu que nunca alimentei sonhos, nunca “corri atrás” era o sonhador, agora sou o esclerosado. E a tal vivência? Ela só vale quando vai de encontro ao pré-definido. A vivência é louvável quando um senhor prega como lição de vida tudo que desde criança já tinha como verdade. A vivência só vale para quem reforça o senso comum, qualquer coisa fora disso é esclerose. Não é engraçado?
Diziam que a felicidade acabava junto com a infância; depois que o sofrimento vinha com a paixão; mais tarde que o casamento matava a felicidade do amor; depois que os filhos me fariam pagar pelos meus pecados (os pecados a que se referiam era a minha felicidade); depois que a minha velhice seria infeliz e agora me dizem que terei uma morte terrível. Alguns apostam que irei para o inferno. Sofrimento eterno. O preço que pagarei por não acreditar no vale de lágrimas do padre. Mas, pergunte pra minha filha o legado que nós a deixaremos. Se conhecer meu filho Nelson ou o Glauber pergunte a eles também, ou à minha neta. E sabe o que eles responderão? Que ninguém comprou ninguém, nem ninguém se interessou em aprender como se vender, que existe uma coisa nesta família muito mais concreta que os seus planos para o futuro. Sabe o que é isso? Talvez não saiba. Chama-se amor. E amor não vem dos sonhos. Você não corre atrás. Ele é um sentimento. Muito mais forte que a vida, que todas essas baboseiras que você acredita que farão da sua vida algo que preste. É o que me faz ter certeza de que não sou um viúvo e sim um homem que ama e é e sempre será amado.

- O senhor acredita em vida após a morte?

- Acredito na vida. Quando eu trabalhava como bibliotecário, li um livro de Herman Hesse chamado “Sidarta” que diz que a vida é como um rio, que está sempre em movimento, na nascente e na foz ao mesmo tempo. E a foz, rapaz, pode ser um outro rio, um mar, mas nunca o fim do fluxo, do movimento. Gostei da definição. Aliás, foi nesse emprego que percebi que o meu tio estava equivocado, mas o Schopenhauer talvez estivesse certo.
Agora vou embora, já está me dando sono. Luísa já deve estar terminando de se vestir. Ouça o que ela tem a dizer, é uma garota com muita sabedoria. Aprendo muito com ela. E lembre-se: quando Giordano Bruno afirmou que o Universo era infinito e a Terra não era o seu centro queimaram-no vivo. Qualquer coisa fora do senso comum é vista como loucura, mas nem sempre é assim. Boa noite, meu querido. “Amar é sofrer, eu vou te dizer, mas vou duvidar...”.

Artur Filho foi pra casa, fumou um cigarro e dormiu. Não acordou mais.
Não foram encontrados sinais de sofrimento em seu corpo.

CORDEL CAIÇARA

É com prazer que anuncio o lançamento do blog "Cordel Caiçara" do talentoso multimídia Olavo Dáda. Qualquer comentário será aquém da qualidade apresentada. Confiram:

http://cordelcaicara.zip.net/index.html

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

DANÇA DAS CADEIRAS

Margarida parece desgovernada. Acaba de perder o emprego de gerente comercial de uma grande rede.

Sem saber o que pensar e muito menos o que fazer, anda sem destino pela cidade. Ela é uma desempregada. O desemprego que sempre considerou uma exclusividade dos derrotados agora lhe pertence. Alguma coisa está errada. Com certeza alguém “armou” para pegar o seu lugar. Inveja. Sim, foi inveja e não incompetência o motivo da injusta demissão. É um paradoxo. Seus patrões sempre souberam a maneira certa de agir; ela sempre aprovou e justificou com veemência todas as demissões ocorridas nos últimos anos; eram necessárias, tinham de acontecer. No mercado de trabalho não há mais lugar para médios e regulares, só quem é bom, muito bom, é que permanecerá empregado. Por isso, seus amigos foram demitidos. Por não ouvirem seus conselhos, não seguirem seu exemplo. Por não “vestirem a camisa da empresa” como ela.

E agora? O que fazer com a “camisa” da empresa? Demitida sem uma justificativa convincente. Perdida no “olho da rua”. Ela e a “camisa”. Desempregada. É assim que terá de responder quando perguntarem sua profissão atual. Sente vergonha. Vergonha do seu fracasso, vergonha de não estar entre os melhores, de ser uma desempregada. Vergonha de enviar currículos para gerentes que jamais irão lê-los. Como uma cortina trocada, não vê como um substituto pode ser mais útil. A colaboradora fiel do sistema é agora sua vítima. Chora como um cão esquecido pelo "dono".

Margarida baixa a cabeça. Não sabe como se colocar perante suas idéias. Nesse momento, ela é tudo que sempre atacou. Dói. Onde foi que errou? Por que ela? Com certeza cederão seu lugar a alguém menos capacitado. Será que alguma daquelas subalternas teria se oferecido sexualmente a algum diretor? Será que fora esse seu erro? Errou por ser correta demais? Por não se corromper nesse mundo sujo? Ah, com certeza! Não há outra justificativa.

Na vitrine o vestido, que ela iria usar na sua festa de aniversário, continua esperando por ela. Mas, agora ela é uma desempregada. Desempregados não têm direito de comemorarem aniversários. Comemorar com festa, pelo menos, é inadmissível. Aonde já se viu? Até chegar o seu aniversário ela já terá arranjado outro emprego. Pensando melhor, com o dinheiro dos seus direitos abrirá um negócio próprio. Talvez o dinheiro não dê. Precisa saldar suas dívidas. O carro novo que acabou de comprar precisa ser pago. Se vender o antigo dá para pagar o novo. Jamais. O antigo ela deu de presente para sua mãe, mesmo que a mãe nunca use o carro, ela não pode vender. É necessário. E de mais a mais, a sua adorada mãe não tem culpa do seu fracasso. Tem também a faculdade. Tudo bem que decidiu cursar administração apenas com o intuito de ser promovida, de ocupar um cargo na diretoria. Mesmo assim não pode abandonar. Irá até o fim. Pagará até o último centavo por seu diploma universitário. Vale a pena. O dinheiro que receberá pela demissão, injusta conforme ela pode constatar, dará para pagar as mensalidades da faculdade e uma boa parte das prestações do carro. E os móveis novos? E o cartão de crédito? Precisa saldar as prestações do Cruzeiro que consumiu nas férias. Em todas as palestras proporcionadas pela empresa, e também nos livros que leu, seus mestres sempre disseram que o vencedor é aquele que faz dívidas, que tem contas para pagar. Ela seguiu os conselhos a risca e agora é uma desempregada.Mesmo assim, valeu a pena. Tudo o que ela conseguiu deve ao grupo. Usará o dinheiro para pagar as contas e rapidamente arranjará um novo emprego. Em outra parte da cidade alguém escuta um samba antigo de Noel Rosa (“velharia, não é do meu tempo”, diria Margarida) que diz: “Quanto a você da aristocracia que tem dinheiro, mas não compra alegria há de viver eternamente sendo escrava dessa gente que cultiva hipocrisia”.

“Deus sabe o que faz”, sussurra, “nada do que acontece é para o nosso mal.” (Abro este parêntese consciente de que parecerei intrometido, mas não posso deixar de incluir uma pergunta pessoal em meio aos pensamentos da recém-excluída Margarida; sei bem que filosofar perante a dor alheia é inconveniente, mas não tenho saída; se não perguntar me sentirei omisso: Caro leitor, terá Deus alguma coisa a ver com o excludente sistema neoliberal? Será ele o responsável pelo culto ao lucro? Terá ele a mesma concepção limitada da nossa raça em que tudo está dividido em dois, bem/mal, sorte/azar, ser - humano/ natureza, trabalhadores/vagabundos, vencedores/perdedores, etc. e tal, ou tudo faz parte de um todo, no caso Ele mesmo, sem adjetivos?).

Margarida ainda está parada diante da vitrine (Graças a Deus o nosso debate filosófico não prejudicou em nada nossa observação), pensa nas compras que fará quando arranjar um novo emprego. Talvez tenha dificuldades para conseguir. A situação do País está difícil até para os capacitados. Caso não consiga, a saída será emigrar. Como um girassol, ou melhor, um giraemprego, giradinheiro talvez seja mais oportuno, olha em todas as direções a procura de alguém que possa lhe oferecer uma oportunidade instantânea. Sempre foi assim, sempre girou a procura de vantagens, de lucro, de um “status”. Por isso, venceu. E a aparente derrota não significa o fim de sua batalha. Tem contatos, boas relações, é bem vista. Se os excluídos precisam da caridade governamental, ela não. Jamais será uma excluída. Se tivesse vocação para a derrota teria seguido seu talento e estaria nesse momento dando aulas para criancinhas (provavelmente menos cansada e mais realizada e, com certeza, sendo muito mais útil; desculpem-me a nova intromissão, mas ela esqueceu e eu não pude abster-me de completar) e ganhando um salário que mal daria para comprar um carro zero. Não, não. Ela tem garra. É uma vencedora.

- Margarida! – quem a chama é uma amiga de faculdade – Ta de folga hoje?

- Saí de férias, precisava descansar. – Margarida tem vergonha da verdade.

- Você não falou nada. Por que não deixou pra sair de férias junto com as da faculdade?

- Eu estava muito cansada. São responsabilidades demais.

- Deixa eu ir que fui chamada para uma entrevista e não posso me atrasar. Beijinho.

Margarida olha a amiga esbaforida e tenta adivinhar quem está contratando no momento. A amiga é uma perdedora. Está desempregada há anos, não vai conseguir o emprego. Se ela tivesse a oportunidade seria contratada. Mas Deus (Ele de novo) é justo e algo grandioso está reservado para o seu futuro. Pensa nos planos que terá de adiar: sua lipo, sua casa em um condomínio fechado, suas compras no exterior. Sorri. Nada a fará desistir de seus sonhos.

E por aí vai Margarida. Confiante de seu sucesso, inconsciente de sua exclusão e alienação. Talvez um dia perceba onde está talvez nunca se conscientize da situação. O seu futuro profissional é incerto como o de milhões de pessoas. Sua vida é imprevisível como a do Planeta.

Está livre, porém, ao contrário do rouxinol chinês, o que ela busca é uma nova gaiola. Um porto-seguro que sirva como base para as suas mesquinhas aspirações.

* Incluído no livro "Desconstrução".

COMENTANDO COMENTÁRIOS

Foram maravilhosos os comentários feitos ao conto "Artistas, Crianças e Esperanças".
Roque sempre bem-humorado e com sua "malucidez" deu um balanço geral do tema; Zilmara, com a veemência que lhe é peculiar, fez um apanhado contundente sobre essas campanhas cujos intuitos estão bem longe da tentativa de melhorar o País e Walmir Carvalho fez quase um outro conto. Uma bela e real história sobre a hipocrisia e sua ramificações. Daria assunto para um dos belos contos que ele escreve e que estão disponíveis em seu blog (http://walmir.carvalho.zip.net/).
São comentários desse tipo que tornam o "Mandando brasa" colorido e agradável para mim.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Brasas em Minas

No blog do excelente Walmir de Carvalho há uma descrição triste e bela do que a administração da Vale do Rio Doce está fazendo por lá (eles sim, estão mandando brasas). O texto chama-se "Presente do Dia dos pais"(12/08/07), junto ele pede apoio a uma manifestação contra tais atrocidades...
Peço que as poucas(?) pessoas que leêm esse blog acessem o blog do Walmir e vejam do que estou falando:
http://walmir.carvalho.zip.net/

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

ARTISTAS, CRIANÇAS E ESPERANÇAS

Dança de chamas!

Quando o sinal fica vermelho para os motores é sinal que o trânsito está livre para a arte. E no palco de asfalto brilham Toni, Augusto, malabares e piruetas. Sem patrocínio, nem glamour, defendem suas artes, suas vidas e alguma esperança. *

Toni ama o malabares. Sua memória não alcança um tempo em que esteve longe do malabarismo. Quando criança juntava-se aos artistas de rua do bairro, acompanhando-os em suas exibições, aprendendo a manejar os instrumentos. Na idade em que se fez necessário procurar um emprego não conseguiu pensar em outra coisa que não fosse o malabarismo, a encenação, a arte circense. Cada colega seguiu um caminho. Uns tentaram uma dignidade honesta, outros pensam que se tornaram dignos na desonestidade. Alguns morreram, outros estão vivendo. Algumas almas de artista se conformaram com o papel de serviçais, algumas almas sem arte enganam no papel de artista. Toni fugiu com o circo de sua cidade, cruzou o País fazendo malabarismos e todo dia exibe seu espetáculo para um público apressado e sem tempo para pensar em diversão.

Esse é o seu auge, a verdadeira concretização de seus sonhos. Se for dito aqui que Toni tem alguma outra ambição profissional( fora o ofício de jardineiro que também exerce pelas manhãs), será mentira. O ofício de levar divertimento e alegria às pessoas em trânsito como um “take” de sonho em meio à engrenagem da rotina é a sua total realização.

Toni cospe fogo. Augusto vibra com o número do amigo. Os malabares em chamas sobem, circulam, descem, invertem as posições. Brilham nas mãos do artista que, como Renoir, faz arte por diversão. Diversão e algumas doses de conhaque. Quando o inverno aperta e as roupas de Toni não o defendem totalmente do frio, a solução é esquentar-se através da bebida. E, de conhaque em conhaque, Toni também brilha. Não para motoristas sempre preocupados com seus empregos, suas prestações e suas economias. Brilha para ele mesmo, para seus amigos de ofício – violeiros de esquinas, artistas plásticos de cerâmica, cantadores de ônibus, poetas de rua ou simplesmente comerciantes ( vendedores de balas velhas, engraxates, etc.) - e para muitos que a insensibilidade e a robotização ainda não alcançaram. Brilha para João Bosco.

É com a admiração e valorização de boa parte de seu público, aliado ao salário de enfermeira da sogra, que Toni sustenta sua família. Grande parte da alimentação, medicamentos e até material de estudo para Augusto, foram conseguidos através de permuta com os motoristas que pagam em espécie a faxina espiritual proporcionada pelos artistas.

Quero deixar claro que o título de artista é por minha conta. Toni jamais se referiu ao seu ofício como arte. Para ele sua função é a de um animador público, um circense de rua, resumindo: jamais pensou em uma auto-definição. Toni é. No princípio era o verbo. As invenções divinas ocorridas desde então não modificaram sua personalidade.

Se, por acaso, o cachê é curto, ou os motoristas fingem ignora-lo, Toni sente. Sente pena pelos enganos que desviam tais pessoas do lazer, da arte e, provavelmente, da própria vida. Mas, sua alegria está sempre lá. Foi devido a essa inabalável alegria que Dona Jurema (ou Tia Jurema, como eles a chamam), mãe de Augusto, decidiu pedir ao malabarista que incorporasse o filho no seu grupo.

“Não sei mais o que fazer com esse menino”, contou a mãe, “quer ser “ginastista”, fazer a tal de ginástica olímpica, mas vê se tem condições? Já falei pra ele que aqui não tem jeito; que tem que arrumar outra coisa, mas não adianta. Agora anda metido com aquela molecada lá do outro lado, daqui a pouco ta roubando também. Não tem como você levar ele contigo na parte da tarde depois da aula? Assim ele dá as piruetas dele por aí e sossega o rabo, senão eu não sei o que vai ser...”

Depois dessa conversa Augusto passou a ser a companhia diária do malabarista. Toni sente-se responsável em manter viva a esperança da criança que sonha em ser ginasta. Sabe que ele não gosta do ofício, assim como sabe que a menina ginasta que olha de dentro de um dos carros o malabares, faz a ginástica contra a vontade. Talvez queira ser tradutora, talvez já seja artista plástica, cozinheira ou qualquer outra coisa. Mas, a mãe a quer ginasta. Tratá-las-emos como mãe e menina porque o vidro fechado do carro não permitiu uma aproximação para perguntar-mos o nome; o rapaz no carro ao lado, que ouve um CD de Chico Buarque (não sei se o CD é inteiro do Chico ou é alguma "miscelânea", a música é "Brejo da Cruz") e veste uma camisa de Che Guevara, cujo único sentimento é medo que algum malabares caia no seu carro, chama-se Paulinho; mas isso eu sei porque o conheço de outros lugares; seu vidro também está fechado. “Não olha muito, senão a gente vai ter que dar dinheiro!”, adverte a mãe ao ver o fascínio que o malabarista exerce sobre a filha. O sinal abre (para as máquinas, fecha para os artistas) e os carros vão. Augusto quer a oportunidade da menina, a menina quer a liberdade de Augusto. Toni sabe que não existe liberdade, mas sente-se feliz. Aproveita o movimento dos carros para contar ao menino estórias que viu nas esquinas, que ouviu dos mais velhos. Ensina que pior que a pobreza material é a pobreza da alma. Mostra-lhe as várias moradas que existem entre o sonho e a frustração. A criança ouve com atenção. Sonha.

Em casa, a mãe da menina ginasta colaborará com crianças carentes. Para ela será um dinheiro bem gasto: caridade. Uma espécie de couvert para os artistas que animam o espetáculo. Uma ajuda para crianças que não incomodam. Não aparecem nos sinais, não levam odores ao alcance do seu olfato, nem exibem um linguajar chulo e incorreto. São representadas por artistas famosos, amparadas por “gente que faz”; nelas vale a pena investir. Basta uma ligação. Não é necessário conversar e nem há a ameaça de um contato maior. Finalizada a ligação estará certa de que faz, e de maneira impecável, a sua parte para melhorar o País.

No dia seguinte, no mesmo sinal, Toni e Augusto, Ogum e Oxóssi respectivamente, estarão lá: soldados incansáveis, na luta pela arte e pela esperança, defendendo, sem saberem, a espontaneidade e a alegria de um País em deformação.



* Eu sei que o tema “vocação artística do povo brasileiro versus robotização do capitalismo” não é novidade nos meus textos. Mas, antes que a minha criatividade depreciada, justifico-me argumentando que a exemplo dos pintores impressionistas tenciono abordar a mesma questão por ângulos, luzes e perspectivas diferentes; como Monet fez com a Catedral de Rouen e Van Gogh com os girassóis, só para cita alguns exemplos. Talvez, se a minha inspiração fosse barroca seria mais confortante, mas de qualquer forma prometo olhar em outra direção assim que o tema estiver esgotado, ou melhor, resolvido.

** Incluído no livro "Desconstrução" e publicado também no Jornal Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3743 )

VALE DO RIO DOCE

Colo abaixo um e-mail que recebi de meu amigo Olavo Dáda, pela reestatização da Vale do Rio Doce, e que tem o meu total apoio .



Gentes, um dos maiores crimes cometidos contra o povo brasileiro e seu patrimônio durante a era FHC pode ser revisto.

Engajemo-nos na campanha do plebiscito pela retomada da Vale do Rio Doce, que ocorrerá entre 01 e 07 de setembro de 2007.

Invistam 15 minutinhos para assistir ao vídeo da campanha, divido em 3 partes.
Basta clicar em http://avaleenossa.org.br/video_ple.asp

Saúde & paz e fé no trabalho e no povo!

A VALE É NOSSA!

Bjs,

Olavo Dáda

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

EMPREGO

- Hoje é o dia mais importante da minha vida.

Rolando acaba de pronunciar esta frase mágica enquanto se prepara para mais uma entrevista de emprego.

Trancado no banheiro, o rapaz olha-se no espelho, suspira e mentaliza palavras que, segundo um autor de auto-ajuda cujo livro ele acabou de reler há alguns dias, servem para reforçar sua auto-estima. Mesmo depois de centenas de entrevistas, ele continua nervoso. Há anos tenta arrumar um emprego e não consegue. Quando digo emprego, refiro-me à carteira-assinada, férias, folga semanal e todos os direitos trabalhistas que na teoria são para todos, mas na prática funcionam como uma grife exibida por uns poucos, assim como o ensino de qualidade e os planos de saúde, e não os “bicos” que o oferecem. Aliás, em “bicos” Rolando tem vasta experiência.

Mas, agora tudo vai mudar. Rolando está confiante. A experiência em entrevistas, que adquiriu durante todos esses anos procurando emprego, aliada aos conselhos do livro do PHD. em recursos humanos será infalível. Enquanto veste a roupa, Rolando relembra os animais, frutas e personalidades com os quais deve identificar-se. Saber isso é de extrema importância. Identificar-se com o animal errado já lhe custou uma assinatura na carteira. Felinos nem pensar. A independência da espécie assusta ao empregador que prefere sempre a fidelidade desinteressada dos cachorros.

Rolando sai do banheiro e vai para o seu quarto. Pega a pequena redação que fez imaginando-se daqui a dez anos para reler no ônibus a caminho da entrevista. Quer ter firmeza quando falar sobre o futuro na frente do entrevistador. Pára. Está pensando no absurdo disso tudo. Não quer mais sorrir, se comparar a frutas e animais, falar de suas qualidades, expor os seus defeitos e argumentar para um comprador imaginário a venda de uma caneta sem tinta também imaginária.” Que se foda esse hotel!” (a entrevista é para um cargo em hotel de luxo).” Não quero mais fazer papel de palhaço. Chega de pedir pelo amor de Deus para trabalhar”.

Rolando se tranca no banheiro. Está pensando nas dificuldades da vida. Na falta de perspectiva. No vizinho que é irmão do gerente e pediu para que fosse convocado para a entrevista. Talvez esteja esmorecendo. Lembra-se dos conselhos do PHD. “Não desista”, foi isso o que ele leu em todos os livros que estudou na ânsia de conseguir um emprego. E agora ele pensa em desistir, talvez esteja na hora certa, no lugar certo e não está percebendo. Relê a redação e todas as mentiras que imaginou. Na verdade, o que ele quer daqui a dez anos é poder exercer a profissão de arquiteto, passa dias lendo sobre o assunto e elaborando projetos. Mas, disso já abriu mão, é impossível. Na cidade aonde mora não há faculdade pública de arquitetura e ele não tem condições financeiras de cursar uma universidade em outra cidade. Já que não é para ser o que o seu talento pede, então qualquer coisa serve. Não, não é qualquer coisa. É um cargo em um hotel de luxo com carteira assinada e todos os direitos trabalhistas. Enquanto seus dejetos estão se dirigindo ao esgoto, ele está se lembrando do número de currículos que foram entregues para o cargo. Chora. As lágrimas mais salgadas são aquelas que nascem da dúvida. Pensa em Lucio Costa e no PHD. Lembra-se de arquitetos que, como ele, também vivem de "bicos" . Maldiz o País, repete que hoje é o dia mais importante de sua vida e sai apressado, como um motoboy, em direção ao ponto de ônibus.

Rolando está lá esperando ansioso o ônibus que o levará à dinâmica. Pensa nas possibilidades que novo emprego lhe ofertará. Relembra dos sacrifícios pelos quais passou. Está indeciso quanto ao seu desempenho, mas procura pensar positivo. De vez em quando, lhe vêm à cabeça os projetos arquitetônicos que sonhava realizar quando criança. Lembra-se que até pouco tempo atrás imaginava que a sua arquitetura seria reconhecida no mundo inteiro, que seus projetos lhe valeriam o título de “Gaudí das Américas”. Já não está mais prestando atenção na leitura da tal redação, está pensando no projeto que desenvolveu com a ex-namorada Sônia no intuito de conseguirem uma bolsa de estudos e que ficou na gaveta porque não tiveram condições de terminar. Pra falar a verdade, mal começaram: os bicos de garçonete e vendedor de consórcios que faziam na ocasião não deixavam tempo para concluírem o projeto e as conversas sobre a politicagem na distribuição de bolsas os desanimaram. Nos dias de folga eles batalhavam para encontrar um emprego melhor. Sônia agora faz bicos numa loja de calçados. Não tem carteira assinada, mas a comissão é boa. Rolando volta à leitura. Não quer lembrar de mais nada. De mais ninguém. O mundo não precisa de sua arquitetura, ele será muito mais necessário aos hóspedes do hotel. Lá está sua grande chance. “O vencedor não pode se prender às derrotas, nem aos derrotados. Precisa olhar sempre adiante. E confiante”. O PHD. poderia ser poeta. O ônibus chegou.

Não iremos acompanhar Rolando porque será desagradável andarmos em um ônibus lotado, que faz um trajeto para o qual seriam necessárias três linhas, apenas para ver Rolando conversando com Rui, um amigo que desistiu da carreira de ator e se dirige mal-humorado para a portaria do edifício onde trabalha; “Pelo menos estou trabalhando, a situação não está para brincadeiras”, concluirá Rui antes de se dirigir, com dificuldade, ao fundo do ônibus para descer rumo ao destino que lhe escolheu; ao olhar o amigo, Rolando lembrar-se-a dos aristas negros transformados em plantadores de cana-de-açúcar e refletirá sobre a liberdade dos nossos tempos, depois voltará à leitura de sua redação. Quanto à entrevista e os acontecimentos futuros, eles podem ser adivinhados:

Ao olhar o hotel, Rolando constatará, de corpo presente, o mau gosto do arquiteto do prédio e esperará cerca de quarenta minutos até que a dinâmica comece. Durante esse tempo, passará a maior parte imaginando um projeto arquitetônico verdadeiramente artístico e olhará desconfiado para seus rivais, tentando imaginar os trunfos que eles poderão ter e comparando-os com os seus. Durante a dinâmica perceberá que todos estão tão desesperados e desnorteados quanto ele. Falará sobre si mesmo, dirá os objetos, frutas, animais e personalidades com os quais se identifica; dirá em voz alta e de maneira, que dê a entender que é improvisada, o texto sobre o seu futuro; explicará porque está ali, o que espera da empresa e no que pode ser útil. Perceberá que todos os entrevistados parecem ter lido o livro do Phd e falam da mesma maneira e se identificam com as mesmas coisas. Não fará nenhuma pergunta e nem escutará mais do que já sabe. Sorrirá o tempo inteiro e, se tiver sorte, não precisará participar de nenhuma brincadeira constrangedora.

Alguns dias depois será comunicado que foi aprovado na dinâmica e se submeterá a mais uma três entrevistas. Contará sobre sua vida, fará redações, dará mostras de espírito de liderança, iniciativa, polidez, entre outros atributos. Ficará com as bochechas doendo de tanto sorrir e será contratado.

Quando souber da notícia, ele e a família abrirão uma Sidra e chamarão o vizinho que o apadrinhou para comemorarem juntos. O vizinho dará conselhos e falará sobre o temperamento do gerente. Rolando falará da dinâmica e contará que desde que pisou no hotel pressentiu que seu futuro estava ali. Sua mãe fará um breve resumo da vida profissional dela e a avó contará sobre os empregos do avô e dos tios. A irmã relatará o emprego do namorado e contará sobre o concurso para o qual estará estudando. A mãe dará graças a Deus e anunciará o início de um novo ciclo na família. Darão como favas contadas o ingresso da irmã no cargo público. Um grande amigo telefonará dando os parabéns e aconselhando o melhor carro para comprar. Os dois passarão mais de três quartos de hora falando sobre as possibilidades de “motorização”.
Rolando não dormirá na véspera do primeiro dia de trabalho imaginado o novo cargo, as atribuições, responsabilidades e direitos que o esperam. Fará atencioso o curso de treinamento para a função, assim como participará de todas as reuniões motivacionais que a empresa proporcionar-lhe. E será infeliz...

Perceberá, logo no início, que a dedicação e desempenho que o hotel exigirá tornarão inviável qualquer tentativa humanamente suportável de voltar aos estudos ( e nisso não excluímos a questão monetária), que a sombra da demissão sobrevoará constantemente sobre ele e que valorizar o emprego que conquistou com tanta dificuldade (a mídia fará questão de não o deixar esquecer que tem uma fila imensa de pessoas querendo o emprego dele) significará aumentar “voluntariamente” sua jornada de trabalho, estar sempre de acordo com as regras e buscando o melhor para a empresa, em detrimento do que é melhor para ele; esquecer que existe final de semana, feriados e dias santos, para efeito de folga, como é claro; deverá estar sempre disposto e feliz; nunca desistir de galgar “degraus acima” e jamais demonstrar sinais de cansaço. O que é uma contradição, já que o dono do hotel anda dizendo por aí que, por muito menos, ele mesmo já cansou.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

DELÍRIO

Estrondo de avião. Explosão, fumaça e mortes. A imprensa quer culpados. O povo quer soluções. Chuva. Divulgação. Número de mortos. Apresentadores de TV ávidos por audiência. Corpos. Substantivos comuns. Arena Multiuso. Medalhas. Medalhas de bronze, de prata e de ouro. Ouro. Ouro para o bem do Brasil. Podium, lágrimas, bandeira hasteada e o Hino Nacional. O Hino.

Arnaldo Antunes grita: “Sou de lugar nenhum”.

Bandeira a meio-pau: luto. Mortos nas estadas. Falha Humana? Técnica? Problemas no asfalto? Falta de escape? Ônibus. Caminhões. Transportadoras. Resgate. Raios fúlgidos. Trilhos vazios. Sucatas. Oficinas de desmanche. Ônibus em chamas. Congestionamentos. Carros importados. Rios nunca navegados. Inavegáveis. Rios grandes. Rio organizado. Rio turbilhão. Portos ricos. Porto Alegre. Casais. Santos-Jundiaí. Terra da garoa. Levei um susto enorme nas asas da Panair. Alta dos combustíveis. Buraco. Metrô. Solução?

Rubem Braga escreveu: “Procura-se, e talvez não se queira achar”.

Atletas sem incentivo, mais medalhas. Atletas “Made in Brazil”, festa na torcida. O Cristo é nossa maravilha. Medalha de bronze. Berimbau metalizado. Mendigos. Farrapos. Bolsas. Transeuntes em pânico. Carros nas calçadas. Contramão. São São Paulo. Furtos. Falcões. Rapa. Rap. Rota. Sinais vermelhos. Mais medalhas. Amor e esperança. Trânsito caótico. Desrespeito. Exército. Bandeira. Cartões internacionais. Faixas de segurança. Balas perdidas. Delicadeza perdida.

Procura-se, e talvez não se queira achar...

Internet. Orkut, Blogs e Fotologs. Bate-papos sem papos. Fotos trágicas. Downloads. Bizarrices. Gerundismo. Estrangeirismos. Estréias. Filme americano. Manu Chao. Clandestinos. Desaparecidos. Panamérica. Bolívar. Gás. Gases. Al Gore. Multinacionais. Fumaça verde. Impressionismo. Presente Imperfeito. Paz no futuro. Aquele Abraço. Medalhas. Americanos. O uivo. A vaia. Florão da América. Concurso público. Um Brasil para todos. Saneamento Básico. Sem telas. Sem tetas. Sem terras.

Arnaldo: “Nenhuma pátria me pariu”.

Cristo Redentor. Negócios da China. Jogos de xadrez. Manchetes sensacionalistas. Orações subordinadas. Tropicanalhice. Mais um morto. Malvadeza. A Náusea. Lixo nas calçadas. Brasileiros-ianques. Cubanos-brasileiros. Bloqueio. Vôlei. Rio, eu gosto de você. Verbas. Impostos. Postos de gasolina. Hotéis de luxo. Aeroportos. Fome. Bandeiras. Entradas. Homens-peixes. Viadutos. Terminais. Arranha-Céu. Braços fortes. Peças presas. Ingressos caros. Quebra-quebra. Bispos. Xeques. Clava forte. Problemas solucionáveis, sem solução.

Procura-se, e talvez não se queira achar...

Inferno. Medalhas. Cristo. Carta. Capital. Provocações. Guanabara. Sorrisos. Falsos sorrisos. Pererê. Filhos ilegítimos. Bois. Argentina. Cambalache. Casa tomada. Prata. Ouro negro. Venezuela. Militares. Lábaro estrelado. Força aérea. Controladores. Descontrole. CPIs. Pedágios. Recessos. Outras mil. Platéia de costas. Classificados. Desclassificação. Ginástica. Ouro. Podium. Torres. Chamas. Medalhas. Crimes. Bancos. Propagandas. Cruzeiros. Lágrimas. Mate. Desordem. Derrida. Globalização. E o Hino.

Pau. Pedra. Caminho. Fim.

* Publicado também nos jornais Página Dois ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3669) e Direto da Redação ( http://www.diretodaredacao.com/ )

sexta-feira, 20 de julho de 2007

COMENTAR NÃO É PECADO II

Fornicar não é pecado. Esse era o pensamento reinante no Brasil na época da colonização portuguesa ( Ler "Casa Grande e Senzala" de Gylberto Freyre), tenho pa mim que este "slogan" define muito mais nosso País que o contraditório "Ordem e Progresso"...
Aqui neste blog o que não é pecado é comentar. Por isso, mandem brasa. Vamos discutir os temas em questão...

XENOFILIA (ESSE FILME EU JÁ VI...)

Independência ou morte!

O suposto grito dado pelo nosso libertador D.Pedro I às margens do rio Ipiranga e que serviu de inspiração para a fantasia do pintor Pedro Américo (eu também gostaria que tivesse acontecido como no quadro) não é a abertura de um artigo de reflexão sobre o que foi feito da nossa independência depois do brado retumbante, falaremos de arte. Mais precisamente sobre a sétima arte: o cinema.

O povo brasileiro sempre foi artista em potencial e mesmo com todas as dificuldades e imposições procurou um jeito (e neste caso o termo “jeitinho brasileiro” é bem vindo) de manifestar-se artisticamente. Jeito esse que obteve resultados que serviram de inspiração e respeito por toda a parte do mundo, como a bossa nova, as escolas de samba e seus desfiles, a arquitetura de Niemeyer, a literatura de Machado de Assis, o tropicalismo, entre outros inúmeros exemplos.

No caso do cinema, desde a década de 20, a produção brasileira sofre com a interferência dos distribuidores americanos que, como constatou Noel Rosa, “com mania de exibição não entendem que o samba (a cultura brasileira) não tem tradução”.

Nesses quase noventa anos seriam precisas laudas e laudas para listar todos os artifícios que os distribuidores imperialistas usaram para sufocar a produção local e hoje, mesmo com todo esse discurso de renascimento do nosso cinema, nossa produção continua dependente do comando imperial. Tem razão quem diz que nossa situação já foi pior (Existirá ameaça maior para a cultura do nosso País do que foram o AI-5 e a “Era Collor”?), mas mesmo assim estamos longe de um resultado satisfatório. Um filme brasileiro para ser exibido em grandes salas de cinema (no Brasil!) depende da caridade dos distribuidores e de ser feito em parceria com multinacionais, vide Columbia/Globo, e mesmo assim o tempo de permanência é muito menor que os ocupados pelos “donos das salas”. Ou seja, as salas de cinemas brasileiras estiveram sempre à disposição de combatentes estadunidenses, restringindo tempo e espaço para os nossos cangaceiros e inconfidentes. A dificuldade que um cineasta brasileiro, que não tenha nenhum tipo de associação com os cartéis, encontra para exibir o seu filme no grande circuito é semelhante à de Zé do Burro para pagar sua promessa.

A justificativa mais comum encontrada por colonizadores e entreguistas é de que a produção norte-americana é superior. Depende do ponto de vista. Mas, como por toda a história do cinema sempre se encontraram argumentos para depreciar a produção local em favor da colonização (o nosso idioma não fica bem nas telas, cinema brasileiro é só pornografia, entre outros absurdos) e esse esquema monopolizador não se restringe ao Brasil é melhor nem entrarmos neste mérito, até porque o objetivo é falar da nossa cultura e do país que queremos construir.

Como para as coisas boas também existe um jeitinho, enquanto emissoras, autoridades e a intelectualidade engajada brigam por seus interesses, refiro-me ao absurdo impasse sobre a Ancinav, complicando ainda mais a situação do nosso cinema, algumas pessoas encontram soluções inusitadas: é o caso de Hermano Figueiredo e Paulo Betti.

Hermano é o inspirador do Movimento dos Sem Tela, um projeto que busca outras formas de exibições para filmes verdadeiramente brasileiros que não sejam as salas/shoppings sempre ocupadas com seus homens-aranhas e Harry Porters. Seu projeto mais recente, que conta com o apoio do Ministério da Cultura e da ONG Ideário, chama-se “Acenda uma vela”(nome inspirado também na frase do chinês Confucio:”mais vale acender uma vela que amaldiçoar a escuridão”) e consiste em exibir filmes gratuitamente em velas de jangadas nas vilas de pescadores sob o céu estrelado e o marulho das praias alagoanas. O intuito, além de proporcionar à cineastas independentes um alcance maior de público, é o de prestar assistência artística às pessoas que não têm como pagar os ingressos cobrados pelas salas/shoppings e que, em muitos casos, para irem ao cinema precisam sair da cidade aonde vivem. Além da exibição dos filmes Hermano promove também um debate com as platéias de seus filmes, que já foram exibidos em redes de dormir (Projeto filmes em rede), barrigas de vaca, etc.

Paulo Betti, que fundou com recursos próprios e de outros atores a Casa da Gávea (que além de cursos de interpretação e formação de atores promove palestras e leituras de peças inéditas), desistiu de lutar com o cartel de distribuição e tratou de inserir o seu “Cafundó” no circuito por conta própria. Com uma Kombi e equipamentos de exibição, fez as exibições do filme em praças públicas de cidades do interior, muitas vezes acompanhado por atores do elenco, além de promover discussões sobre o conteúdo e o enredo em questão ( No caso de Cafundó, a discriminação racial e a liberdade de credo).

São trabalhos como esses e os realizados pelos cineclubes que visam construir uma nação de cidadãos, e não uma colônia alienada. O cinema, assim como todas as artes, serve como orientador da cidadania, por isso que lutar com todas as forças por uma consolidação, acima dos interesses pessoais e econômicos, de um cinema verdadeiramente brasileiro (sem xenofobia) é obrigação de todos nós. Enquanto continuarmos servindo de espectadores de produções ianque, de gosto duvidoso e objetivos colonizadores, deixando de lado o esforço, a competência e as superações dos nossos conterrâneos, continuaremos na contramão da construção de uma nação. Ou batalhamos pela solidificação da nossa cultura e educação social, ou ficaremos tropeçando sempre nos mesmos problemas, esperando que um messias nos salve de nós mesmos sem precisarmos abrir mão de nada.

Baseado na declaração da atriz Fernanda Torres na coletiva de lançamento do filme “Saneamento básico” de que o cinema é o saneamento básico da alma, será algum exagero concluir que caso continuemos dificultando a luta dos nossos Saturninos de Brito nos transformaremos em dejetos?

* Publicado também no Jornal Página Dois ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3658)

OLAVO DÁDA

Quero indicar aos leitores deste blog,os textos do meu amigo e guerreiro cultural:Olava Dáda.
Sã textos cheios de percepção,conhecimento e senso análitico.
Enfim,textos de utilidade pública, coisa rara na nossa impren$a...

http://blog.teatrodope.com.br/2007/07/06/“eu-sou-neguinha”-ou-o-rock’n’roll-contra-o-preconceito/

http://blog.teatrodope.com.br/2007/07/06/“weltschmerz”-vol-terral-de-tristeza-e-melancolia-no-litoral/

sexta-feira, 13 de julho de 2007

PRA FRENTE BRASIL

Vamos torcer pelo Brasil no Pan 2007.

Vamos torcer para que esta onda esportiva traga ao nosso País o respeito pelo esporte. Vamos torcer para que a Educação Física, matéria importante na constituição de um ser - humano de qualidade desde os tempos de Platão e Aristóteles, tão presente nos ideais de Rousseau e Pestalozzi e que até hoje tem destaque nos países que se preocupam com formação dos seus cidadãos, alcance, neste triste trópico, o respeito que merece. Quem sabe então, nossos jovens vejam algum sentido maior na vida do que morrer em tiroteios, espancarem empregadas domésticas ou agredirem uns aos outros nas arquibancadas dos estádios de futebol?

Vamos torcer para que o esporte seja para todos, como na Noruega, e as crianças das periferias de nossas cidades, diferente do que viu o ex-jogador de futebol Sócrates na Caravana do Esporte, consigam, através da atenção que, por enquanto, lhes é negada, sentir-se à vontade com as regras de convívio social, por mínimas que sejam.

Vamos torcer para que todas as camadas sociais tenham conjuntos poli esportivos e acesso a um ensino de qualidade.

Vamos torcer para que o País vença o sistema em que alguns ociosos sem nenhuma aptidão enriquecem à custa do talento alheio e o nosso esporte deixe de ser mercantilista.Vamos torcer para que nossos atletas possam viver aqui e deixem de ser produtos de exportação.

Vamos torcer para que assistir aos eventos esportivos deste porte passe a ser uma diversão para todos e não somente para uma elite.

Vamos torcer para que o dinheiro público gasto com o esporte atenda aos interesses da nação e não aos de uma minoria.

Vamos torcer para que os nossos medalhistas não sejam mais predominantemente de sobrenome alemão ou dinamarquês. Vamos torcer para que o atleta brasileiro não precise mais de atos heróicos para conseguir chegar nas Olimpíadas.

Vamos torcer para que um Renascimento esportista nos arranque da Idade Média na qual nos encontramos.

Vamos torcer para que o espírito esportivo de respeito ao próximo e suas potencialidades infiltre-se em nossa sociedade cessando assim a barbárie em que vivemos.

Vamos torcer pelo Brasil. Vamos torcer por nós.

* Publicado também no jornal Página Dois ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3634)

COMENTAR NÃO É PECADO

Agradeço às pessoas que visitam com frequência este blog,mas gostaria de dizer que comentar não é pecado.
O intuito do blog,além de apresentar temas que sejam de interesse geral, é promover a discussão desses assuntos. Por isso, quanto mais diversidades de comentários,melhor.
Se há moderação é apenas para aqueles que têm como intuito avacalhar e desmontar a proposta do veículo.
Vamos comentar,pessoal...Mandem brasa!
Pelo menos aqui, nenhum tipo de visão é pecaminosa

sexta-feira, 6 de julho de 2007

TESOUROS DA JUVENTUDE

Renan Calheiros, Joaquim Roriz, João Alves, Antonio Carlos Magalhães, Roberto Jefferson e tudo mais jogo num verso...

Esse seria o primeiro parágrafo de um texto que trataria dos escândalos envolvendo o legislativo mais caro do mundo; mas o resultado de uma pesquisa, dentre as dezenas que a imprensa brasileira apresenta todos os dias ( e que a meu ver, na sua maioria, não servem para nada), me pareceu mais grave que qualquer escândalo político: quinze por cento dos universitários (teóricos da classe média vejam bem: estou falando de universitários) do Rio e de São Paulo nunca leram um livro não-didático na vida e trinta e seis por cento leram de um a três; infelizmente, ou felizmente (depende do ponto de vista), a pesquisa à que me refiro, encomendada pelo C.I.E.E ao Instituto Toledo e Associados, não revelou o conteúdo dessa escassa leitura.

“Que País é este?”, sirvo-me da pergunta de Renato Russo ao constatar que as universidades são formadas basicamente por pessoas sem o menor interesse pelo mundo e os seres que os cercam. Afinal falar disto é falar dos nossos escândalos políticos e da apatia do nosso povo perante eles. Ou será que existe alguma outra forma de aprofundamento, seja em história, em política, no idioma pelo qual tenciona comunicar-se, ou em qualquer outro assunto, que não seja através dos livros? Que diferença há entre um analfabeto e um diplomado que não lê?

Tudo bem que para bradar bravatas em botecos ou organizar passeatas inúteis não é preciso nenhum aprofundamento. Mas, e para construir uma nação? A simples especialização pode até formar bons profissionais, no sentido robótico da palavra, e quanto ao cidadão?

Que reformas poderemos esperar de uma sociedade que se forma sem nenhum vínculo com a cidadania? As pessoas interessadas pelo seu papel como cidadão, como alguns estudantes da USP, são poucas perto daqueles que olham somente para os seus próprios anseios. Vivemos na sociedade do “cada um com seus problemas”, incapaz de abrir mão do mais ínfimo interesse a favor do bem-comum.

Como esperar uma política diferente? Como imaginar um quadro social que não seja o caos que vivemos? Como almejar ordem e progresso para um País que entrega diplomas na mão de semi-analfabetos? De uma sociedade que, como constatou Mino Carta, voltou à idade da pedra?

A classe-média discute o absurdo que lhe parece o sistema de cotas, mas o desinteresse pela leitura, e toda a desinformação decorrente, dominando o ensino superior não causa nenhum alarde.

Grande parte dos nossos futuros bacharéis, doutores e professores instruem-se bem longe da leitura, e como conseqüência, alheios a qualquer aprofundamento. Superficiais como as músicas que escutam, os filmes que assistem e os valores que cultivam. Superficiais como suas páginas de orkut e os fotologs que exibem. E o pior é que talvez esta superficialidade seja um reflexo da educação familiar e dos exemplos de vida que receberam.

Para se aproximar de uma juventude assumidamente hedonista, Tom Zé gravou um CD sem nenhuma letra. Será este o caminho? Ou a saída é emigrar? Seguir a ideologia governista dos anos 70, aquela que tinha como lema: “quem não estiver satisfeito que se retire”, abandonar o País na mão da ditadura da alienação e se banhar nas águas culturais do Sena e do Arno?
Tomando esses dados como referência e somando-os aos que revelam o número de analfabetos funcionais e dos que não tem acesso nem a essa educação superficial, o resultado só pode ser a violência, a corrupção, as injustiças e o consumo cego e desenfreado.

Quem tiver alguma boa perspectiva peço que me informe. Quando olho para o nosso presente e o futuro reservado para uma sociedade que se forma dessa maneira tudo o que consigo sentir é a náusea de Sartre. Após esses escândalos, outros virão. Mudarão alguns bailarinos, mas a música permanecerá sempre a mesma. O museu de grandes novidades, que tanto incomodou Cazuza, será por muito tempo o resultado da nossa democracia.

Enquanto tento encontrar uma luz, buscando auxílio em Hermann Hesse, Darcy Ribeiro e Rubem Braga; desculpo-me com o saudoso Wally Salomão por não mascarar minha dor e desperdiçar o seu “verso” jogando-o nesse mal público, num artigo natimorto que não resolverá nada e dificilmente, devido inclusive ao meio em que foi gerado, causará algum tipo de reflexão.

* Publicado também no jornal Página Dois ( http://www.paginadois.com/coluna.php?s=15 ) e no Jornal Brasileiros e Brasileiras (edição de outubro/07)

Posto abaixo o comentário do jornalista e meu amigo Fábio Lobo:

A evolução como escritor do nosso outrora Brizola (quem não foi pra escola com ele que me desculpe) é galopante. Fenômeno muito grato para as mentes dos que podem ter acesso permanente à produção desse jovem talento (que tem um espírito milenar, entretanto). Leandro está cada vez mais deitando e rolando nas palavras, com um cinismo bem-intencionado que nos coloca no olho desse furacão de lama que uns e outros chamam de sociedade. Como leitor de capacidade mental mediana, digo que o texto aparentemente é visto, mastigado e deglutido quase que ao mesmo tempo, mas quando chega o ponto final é que o espírito percebe estar diante de um material infindável, que vai sendo gravado nos confins do universo para, junto com a obra dos cada vez mais escassos artistas do Bem, explodir de maneira avassaladora na "cara dos caretas" e impor uma sociedade mais decente.Salve, irmão. O "TdJ" arrepiou. O B&B, o futuro e o herdeiro agradecem!FL