quarta-feira, 30 de maio de 2007

LONELY HEARTS

Semana passada, recebi o telefonema de um amigo me pedindo sugestões para um programa comemorativo aos quarenta anos de lançamento do LP “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band” dos The Beatles. Pensando sobre o assunto, me lembrei que além de Sgt.Peppers, o livro “Cem anos de solidão” de Gabriel Garcia Márquez e a peça “Navalha na carne” do meu conterrâneo Plínio Marcos também comemoram quarenta anos de lançamento no ano presente.

Que a década de 60 foi uma década importante em termos de produção artística não é segredo para ninguém. Seria necessário bem mais de uma lauda para listarmos todas as grandes obras produzidas somente no ano de 1967. Mas o nosso intuito não é falar da década de 60 e nem render homenagem aos artistas que criavam no período. O nosso foco é o presente. O ano de 2007. A primeira década do século XXI.

Longe do discurso pessimista, e muitas vezes mal intencionado, de que a criação artística de nosso século é irrelevante, hoje existem obras de arte tão criativas e importantes para as gerações futuras quanto as que existiram no passado. A diferença é o interesse do público e a atenção dos veículos de informação. Vivemos na década do consumo. Da produção em massa. Portanto, é necessário que essas obras não existam, ou pareçam não existir.

O neoliberalismo, assim como todo sistema que se impôs, criou pessoas diferentes. Vivemos na década do mercado, onde tudo, inclusive as pessoas tem valor comercial. O sujeito crítico de Kant deu lugar às celebridades vazias e consumidores ávidos pela valorização que determinado consumo pode significar no seu valor de mercado. A Babel de apelos à atenção, descrita há mais de cem anos por João do Rio, cresceu, multiplicou-se e é a marca de nosso tempo. Diferentes do Aquiles de Homero, os nossos candidatos a heróis não têm nenhuma preocupação com suas imagens perante as gerações futuras e nem o intuito de realizar nada de grandioso, querem apenas desfrutar do consumo que a fama lhes trará. E com isso, ganham a identificação de um público que enxerga neles suas próprias aspirações vazias.

Diante de uma cultura criada no culto à falta de atenção, na constante negação ao aprendizado e descaso com a história só resta às mentes vazias de opiniões e apuro intelectual, o consumo desenfreado. Consumir o sexo. Consumir o turismo. Consumir o consumo. Nada a pensar, tudo a consumir.

Nos dias de hoje o sonho de qualquer rapaz que monta uma banda de rock, ou de qualquer outro estilo, é ficar famoso e ver seu clip na parada de sucesso da franquia brasileira da emissora americana. Para isso seguem a risca as regras do mercado. Até a ousadia tem seu lucro programado. Nada é lançado sem a certeza do lucro. E se o The Beatles no seu início também tinha preocupações mercadológicas, não foi por falta de arriscarem que eles não perderam o destaque obtido na fase iê-iê-iê.

Na contra-mão do mercado multinacional de produção cultural(?) temos uma facilidade maior de produção, lançamento e divulgação independente. Uma democratização da produção artística paralela ao monopólio do lucro. Nossos Van Goghs continuam criando sem a atenção do grande público, que interessado em um lugar maior na ciranda do consumo engole, de qualquer jeito, qualquer coisa que a mídia mercadológica empurre “goela abaixo”.

Enquanto o mundo se esvai em tempestades e tufões, enquanto as abelhas vão desaparecendo (para o desespero de Einstein), as pessoas vão entulhando seus I-Pods com cada vez mais lixo, ingerindo cada vez mais química, consumindo de tudo e ao mesmo tempo. Um grande ruído toma conta do nosso mundo. Do nosso tempo. Os gritos por atenção são tantos e tão altos que formam um uníssono tão vazio e sem sentido quanto os apelos individuais. A produção em massa obriga ao consumo rápido, que obriga o lucro imediato e como “ quem pensa, pensa melhor parado” (saudades de Raul Seixas!) não há mais tempo para as reflexões. É preciso correr. Correr para lucrar. Lucrar para consumir. Quem pode, pode; e quem não pode, mas deseja da mesma forma, busca meios para poder. E cria-se o caos da violência, do desrespeito à vida, da solidão individualista. Sem tempo para análise se aceita sem questionamento as conclusões deturpadas da mídia mercadológica e vive-se sem a mínima noção de quando, onde e como. A corrida pelo consumo não pode parar, assim como não pára a produção. Ainda assim, o ócio, essencial para a criação artística, resiste. E é lá, nos redutos do ócio, longe das verdades inventadas e das mentes esvaziadas pelo mercado, que a arte vai procurar seus renovadores.


Se hoje a grande mídia divulgadora do mercado ainda se preocupa em comemorar os quarenta anos de “Sgt.Peppers” é, com certeza, mais pelo fenômeno de vendas que os The Beatles significaram que pela ousadia de concepção e viagens psicodélicas da obra.Se as pessoas ainda procuram “Cem anos de solidão” é mais pelo Prêmio Nobel que conquistou que pelo interesse nos Buendias de Garcia Márquez. O valor de mercado engoliu o valor moral.

O Picasso dos nossos tempos é um automóvel. É até interessante imaginar como seria a vida genial pintor espanhol, autor da tela “Guernica” pintada há exatamente setenta anos, como um jovem dos dias de hoje. Talvez, como muitos, teria a aparência de um carro; Provavelmente, jamais pintasse “Les mademoiselles d’Avignon”. Ou, (quem sabe?) mantivesse a pintura como hobbie enquanto ganhasse a vida como funcionário de uma montadora de automóveis.

Parabéns ao “Sgt.Peppers” e à “Guernica”! Parabéns ao “Terra em Transe” (40 anos), ao “As Flores do Mal”(150 anos), ao “Museu de Arte Contemporânea de Niterói”(11 anos) e àquela obra de arte, que desconhecemos, concebida à margem do mercado de consumo, e que daqui a alguns anos nossos descendentes celebrarão como marco da produção artística do confuso ano de 2007

* Publicado também nos jornais: Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3455) e Brasileiros e brasileiras (edição de julho/2007)

POETIZANDO/ ESCRITOS

NA DIA 08/06/07, SEXTA-FEIRA, AS VINTE HORAS SERÃO LANÇADOS OS NOVOS NÚMEROS DAS REVISTAS POETIZANDO E ESCRITOS NA ALIANÇA FRANCESA(R:RIO GRANDE DO NORTE,48). AS REVISTAS SÃO REALIZADAS ATRAVÉS DO TRABALHO DO GUERREIRO CULTURAL WALMOR DARIO E DE SUA ESPÔSA EUNICE MENDES, AUTORA DE MARAVILHOSOS HAICAIS, QUE, CANSADOS DAS ARMAÇÕES EDITORIAIS, RESOLVERAM DIVULGAR TEXTOS PRÓPRIOS E DAR OPORTUNIDADE A ESCRITORES MARAVILHOSOS QUE PERMANECEM SOTERRADOS POR TODO O PAÍS.
PROJETOS COMO ESSE SERVEM COMO MOSTRA DE QUE NEM TUDO É ESTRITAMENTE COMERCIAL NESSE INÍCIO DE SÉCULO. O AMOR À ARTE AINDA VIVE.
ACESSE: www.revistapoetizando.blogspot.com E www.revistapoetizando2.blogspot.com .
VOCÊ VERÁ QUE NÃO ESTOU EXAGERANDO...

quinta-feira, 17 de maio de 2007

MILAGRE

Sinal vermelho: pare!
Debruçado sob o volante Francisco Amparo, o Chico da Aparecida, olhava angustiado para a rua enquanto esperava a luz verde que indicaria que o ônibus que todos supunham que ele conduzisse poderia seguir. Mas, há tempos, Chico – vamos chamá-lo assim, pois assim ele prefere ser chamado- não sabia quem conduzia quem. Todo o dia quando o despertador indicava a hora dele começar a trabalhar uma melancolia tomava conta do, outrora alegre, pai de família.
Sinal verde: siga!
Chico deu a partida no ônibus e mergulhou, outra vez, no caótico trânsito da cidade, as ruas entupidas de carros guiados por motoristas mal educados que não tinham respeito por nenhum código de convivência faziam com que o motorista se sentisse em uma selva: “a lei do mais forte!”, pensava ele, sorrindo por ser o maior naquela barbárie de automóveis, motocicletas, bicicletas, motoristas e pedestres, todos desgovernados, sem o mínimo respeito pelas regras de trânsito mais elementares.
No fundo do ônibus algumas crianças cantavam em tom ameaçador. Uma mistura de alegria e violência que era comum encontrar em todas as faixas etárias de todas as camadas sociais por todo o país. Ao mesmo tempo em que se enternecia pela alegria das crianças, Chico se preocupava com o tom de agressividade, com o que aquela confusão de sentimentos poderia produzir. As crianças desceram no ponto próximo ao colégio e Chico olhando-as, torcia para que a vida livrasse-as da agressividade e acentuasse suas alegrias. Ao passar na frente do salão de beleza de Júlia, sua irmã caçula, percebeu a placa de passa-se o ponto. Julia abrira o salão havia dois anos e já estava fechando. O número de conhecidos que se aventurava no próprio negócio como a saída para uma sobrevivência digna e fechava por não conseguir arcar com as despesas era incalculável. Mas, Julia nunca entendera nada de salão de beleza. Não sabia nem pintar as próprias unhas. Como o negócio poderia dar certo?
No próximo ponto três senhoras de idade e um casal de jovens namorados faziam sinal para parar. “Meio dia e vinte”, concluiu Chico ao ver os namorados. A delicadeza do casal de estudantes o comoveu. Lembrou da delicadeza que o tempo o roubara. Sentiu saudades de estudar, de aprender, de sonhar...Saudades de quando não era máquina. O pensamento foi interrompido por uma das senhoras que reclamou a demora para destravar a roleta. Sem demonstrar nenhuma reação, Chico destravou a roleta e voltou para o desempenho de suas funções. No próximo ponto cinco pessoas faziam sinal de parada: dois aposentados mostraram a carteirinha e passaram direto, os três outros vinham com dinheiro. Chico se confundiu com os trocos, o que levou um dos passageiros a tratá-lo com desconfiança. Esse tipo de incidente já era rotineiro. Desde que a companhia decidiu que ônibus não precisava de cobrador que os motoristas desempenhavam, também, esta função, como se o desgaste causado pelo trânsito não fosse o suficiente, e nesse acúmulo de atribuições a confusão era comum. A desconfiança também. Ao invés de se irritar com o passageiro Chico lembrou de seus amigos cobradores: Nilsinho nunca mais arrumara emprego, vivia de bicos como motorista de táxis ou particular, mas parecia muito mais feliz que na época em que trabalhavam juntos; Orlando investiu o dinheiro da rescisão numa mini-papelaria no bairro em que morava; Gilmar, de vez em quando, pedia para entrar no ônibus sem pagar e descia no Centro da cidade para entregar currículos na esperança de não viver mais do salário de manicure da esposa; Valdir estava morto, vítima do mosquito da dengue e Péricles continuou trabalhando de vendedor de bilhetes nos pontos de ônibus até aquela semana, quando se cansou de ser assaltado três vezes por semana e decidiu tentar outra coisa; dos outros não teve mais notícia, mas também não tinha saudades. Na verdade lembrar deles era lembrar do trabalho. Um trabalho que ele não gostava. Que nunca gostou.
Foi Jurandir, primo de segundo grau, quem lhe sugerira aquele emprego. Chico tinha carteira de motorista profissional e decidiu aceitar. Ao fim do primeiro mês já pensava em sair. “Sossega homem!”, gritou sua esposa Clarice, “nunca vi homem pra não parar em emprego desse jeito!”; Parar no emprego! Será que era pedir demais fazer aquilo que gostasse? Será que era luxo ganhar a vida em algum trabalho que não o transformasse em máquina, não assassinasse sua alegria, seus sonhos? E pela harmonia do lar Chico decidiu continuar no emprego. Rezou muito pra São Francisco – seu santo de devoção - para ser incluído na lista de corte. O santo parece que não o julgou merecedor, ou então Santa Clara – a santa de devoção de Clarice – tinha mais força para esses assuntos. O certo é que há mais de dez anos ele estava ali: transportando, cobrando, sofrendo humilhações, sendo assaltado, fazendo horas extras e recebendo em troca um salário que mal garantiria uma vida decente. Fazer o que? Rezar não adiantava. Certa vez, desconfiado que o problema fosse de incompetência por parte do seu santo de devoção, decidiu demitir São Francisco e contratar Santo Expedito. “É o santo das causas impossíveis!”, bradava cheio de entusiasmo o jornaleiro Alberico. Depois de dois anos de súplicas não atendidas, o santo poeta voltou ao seu cargo e o soldado continuou apenas para os mais aflitos. Se não o atendia pelo menos era mais familiar. Na Praça da Fonte os mendigos continuavam se banhando e brincando com a água. “Dez para as duas”, pensou quando viu o rapaz de mochila que três vezes por semana entrava no ônibus naquele ponto para descer em frente ao clube onde ele fazia algum tipo de esporte, “deve de ser nadador” – concluía Chico pelo porte do rapaz.
Vermelho: pare.
Enquanto esperava o verde, se atentou a conversa de dois rapazes sentados próximo a ele, falavam sobre um tal de Bispo do Rosário:
- Tu acredita que ele ficou mais de cinqüenta anos em um manicômio, alheio a tudo, e lá criou com sucatas, vassouras, latas de óleo, fios de uniformes e de lençóis obras de arte de vanguarda?...
- Que maravilha!
- Sem acesso nenhum à produção artística da época, ele teve sua arte comparada à de Marcel Duchamp...
- Eu não to nem aí pra Marcel Duchamp...o que me interessa é a obra de Artur Bispo do Rosário...
“Isso é que é luxo!” pensava Chico enquanto obedecia ao sinal verde e dava a partida no ônibus, “se hospedar num manicômio com sustento garantido e só se preocupar em produzir... se fosse assim comigo eu virava um pintor de primeira...”, ponderou o motorista, talvez desconhecendo as seções de eletro-choque a que Bispo do Rosário foi submetido ou, quem sabe, preferindo-as à tortura que o ofício significava para ele; o barulho do trânsito e dos outros passageiros impediu que ele continuasse ouvindo a conversa. Queria saber mais sobre o tal Bispo do Rosário. Talvez nunca mais ouvisse falar dele. Não tinha tempo pra pesquisar e na sua folga deixava-se ficar anestesiado, sem forças pra levantar, escutando o programa da TV que falava sempre dos mesmos assuntos e das mesmas pessoas que não lhe acrescentavam nada. Os rapazes deviam ser estudados, tinham como pesquisar. Se perguntasse aos seus filhos, o máximo que eles saberiam eram as escalações das seleções brasileiras campeãs do mundo. E isso já era motivo de orgulho. Poucos no pedaço tinham esse tipo de interesse pela história do país. Chico viu os rapazes descendo no ponto próximo ao cinema e despediu-se de Bispo do Rosário. “Hoje é um belo dia para enlouquecer!”, pensou ele enquanto se lembrava da conversa sobre a vida do artista.
No ponto final o fiscal chamou a atenção pelo atraso, comunicando que houve três telefonemas para a central de atendimento reclamando que ele acelerou demais e duas reclamando que ele tentara “enrolar” na hora do troco. Tomou um café corrido e mal conseguiu fumar um cigarro inteiro, subiu de volta ao seu posto para um novo trajeto. Naquele horário as pessoas pareciam mais mal-humoradas, depois de se frustrarem nas agências bancárias ou nas entrevistas de emprego elas queriam descontar suas angústias no motorista do ônibus. Outras, apressadas para chegarem em casa, reclamavam das paradas e da demora. Logo no terceiro ponto uma senhora obesa cheia de sacolas insinuou que ele deveria ajudá-la a passar pela roleta e um senhor de idade reclamou da distância do ponto de descida para a rua que ele iria. E Chico só conseguia pensar no artista do manicômio. “Internado no meio de loucos, eu já estou...”, pensava, invejando a situação em que vivera o artista. Uma motocicleta colocou-se a sua frente quase gerando um acidente; uma senhora de idade que se dirigia ao fundo do ônibus caiu com a freada e os passageiros começaram a reclamar em uníssono da incompetência do motorista. Jair, grande amigo de Junior, seu filho do meio, entrou no ônibus e respondeu friamente ao seu cumprimento. Chico não levou como ofensa. Era comum as pessoas não o reconhecerem ali, o motorista era parte do ônibus e não a pessoa que eles conheciam, portanto olhavam para ele com a mesma atenção com que olhavam para o volante, para o câmbio ou qualquer outra peça. Quando avistou o ponto do centro mais de dez pessoas faziam fila para entrar e não havia nenhum vendedor de bilhetes no ponto. Chico parou o ônibus e olhou firme para ele mesmo, para sua vida. Insatisfeito, pobre, inculto, mal amado, mecanizado e sem nenhuma perspectiva de melhora. “Pare!”. Levantou-se do posto e antes que o primeiro passageiro subisse desceu correndo do veículo, enquanto os passageiros atônitos não sabiam o que fazer com as suas pressas e nem o que pensar sobre o homem.
Chico corria pelo centro da cidade, livrando-se do uniforme de motorista, jogando pelo chão todo inferno que aquela rotina significava pra ele. Descera do ônibus atendendo ao chamado de Francisco, o de Assis, que o esperava do lado de fora, inteiramente nu acompanhado de um senhor que vestia um manto todo bordado.
- Eu sabia que o senhor não iria me deixar na mão..., disse o da Aparecida ao de Assis enquanto os três caminhavam rumo à vida por entre árvores e pássaros que sempre passaram despercebidos pelo motorista angustiado e desgastado - ...o senhor trouxe esperança ao meu desespero, alegria à minha tristeza, luz às minhas trevas...
Humanizado, o homem exibia um sorriso largo, sentia-se livre. Senti-se vivo. Enlouquecera como Van Gogh, como Lima Barreto e como o agora seu companheiro Bispo do Rosário, o homem que transformou em obras de arte tudo aquilo que a sociedade jogou na lata do lixo. Acompanhado pelos dois amigos sentia como se sua vida começasse naquele momento. Como se a contagem do mundo tivesse recomeçado como previra Bispo do Rosário alguns anos antes. O amor à vida tomou conta dele e ele jurou nunca mais agredi-la, negligenciando-a em troca de sofrimentos e realizações que ele nunca almejou de verdade.
Francisco, o da Aparecida, foi visto em uma exposição de arte chorando em frente ao quadro “D.Quixote e Sancho Pança” de Portinari, nadando no mar, construindo castelos de areia, conversando com pássaros, aplaudindo um coral de crianças estudantes de música e falando pelas ruas:
- ...Bem aventurados os que sustentam a paz, Que por ti, Altíssimo, serão coroados...
A última vez que o viram, antes da cidade inteira ouvir os gritos de prazer de Clarice e uma chuva de rosas cair sobre o seu quintal anunciando o jardim que se instalaria ali no final daquela semana, foi no bar vizinho da faculdade de comunicação, cantando e gargalhando para os estudantes uma música do compositor Joubert de Carvalho, um clássico do cancioneiro nacional, com a letra adaptada para sua própria vida:
- Eu me vingo deles tocando viola de papo pro ar...
Não se sabe se pelo abandono de emprego Francisco do Amparo não recebeu os seus direitos trabalhistas ou se algum juiz decidiu julgar seu ato como um desvario causado pelo desgaste da função e ele foi afastado e indenizado. Tampouco se tem notícia dos pequenos transtornos causados aos passageiros do ônibus que ele abandonou. Mas, isso pouco importa saber. O que importa é que toda a semana ele expõe seus modestos quadros em praça pública e fabrica, através de sucatas, brinquedos que divertem seus netos e amigos com a mesma eficiência que os industrializados divertem as crianças de condomínios. Quando não está expondo, pode ser encontrado na biblioteca pública ou nos bancos de praças conversando com amigos ou buscando inspiração na natureza. Quem tiver dúvida quanto a sua situação pode se certificar através da felicidade retratada nas telas e do sorriso no olhar do pintor.

* Incluído no livro "Desconstrução" e publicado também no jornal Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3410)

TEIA DE ARANHA

A teia de Aranha é, há mais de vinte anos, uma referencia para quem encara a música como cultura. Silvio Campos, a aranha construtora dessa enorme teia, é um herói da resistência, um homem que mesmo diante do "trator neo-liberal" não desistiu da qualidade. Qualidade que sempre preservou, impedindo, com unhas e dentes, que a sua teia se prostituísse. E é pela qualidade do trabalho desse amante de música, orientador cultural de primeira categoria, que eu indico seu blog a "Teia Multicultural" para quem passa por aqui interessado em saber mais sobre música. Além de discos raros, que provavelmente você só encontrará lá, o blog oferece os maravilhosos textos que Silvio escreve para a "Revista Critério".

http://www.teiacultural.blogspot.com/

Pode acessar sem medo...você só tem a ganhar!

quinta-feira, 10 de maio de 2007

LIBERTAÇÃO

O tema escolhido para o texto de hoje era a visita do Cardeal Ratzinger, atualmente conhecido como Papa Bento XVI, à América Latina e a conclusão de que a Teologia da Libertação, que ele denominou de uma "heresia singular," pode fazer muito mais pelo nosso povo que as pílulas de Frei Galvão. Mas como este é mais um assunto espinhoso e normalmente as discussões que envolvem religião são cegas e surdas, deixemo-as em silêncio e tratemos de um assunto mais agradável: Heitor Villa-Lobos.
Villa-Lobos é há muito considerado o maior músico das Américas. Para Ratzinger a arte é uma forma de manifestação do sagrado. Nesse ponto os dois combinavam. O maestro acreditava que a arte era a salvação para os problemas do Brasil e do mundo. E talvez não estivesse errado. Villa-Lobos conhecia o Brasil, sabia muito bem quais eram as nossas deficiências e fez o que estava o seu alcance para ajudar. Estudou a fundo o nosso folclore e uniu-o à erudição, por muitas vezes religiosa, de Bach. Foi o maestro que regeu um coral de quarenta mil vozes (no tempo em que os corais eram de vozes e não de mãozinhas para o alto e pezinhos saindo do chão) no Estádio de São Januário e lutou para que as escolas não mais negligenciassem as artes.
Seu Brasil não tinha nada a ver com o Brasil dos shoppings centers e franquias de lanchonetes americanas. Seu Brasil era o dos pajés, das cirandas, dos pássaros e dos trens. O Brasil da Semana da Arte Moderna, de Manuel Bandeira. Hoje é comum encontrarmos cronistas musicais e até “professores” de música que nunca tiveram um contato com a sua obra. Mas isso não importa. O que importa é que o que temos de beleza em matéria de música, de Hermeto Paschoal à Lenine, de Tom Jobim à Uakti, foi Villa-Lobos, com sua ousadia, sua genialidade e amor à arte, quem pariu. E suas melodias ecoam em nosso subconsciente, em nossas matas, nossos rios. A sua obra representa grande parte da nossa identidade.
Talvez, o Brasil não estivesse preparado para ser o país de Villa-Lobos. Mas, seus choros e suas bachianas foram decisivos para nacionalizar nossa música. Uma verdadeira antropofagia nacionalista, que se emocionou com Stravinsky sem esquecer Ernesto Nazareth, que se fascinou com o canto do Uirapuru (haverá no Planeta som mais belo?) sem deixar de lado as valsas vienenses, uma miscigenação de erudição e folclore. A busca do divino pela arte que traria nossa tão sonhada liberdade. Um santo cujas pílulas são células melódicas e seus milagres são os que nos levam a descobrirmo-nos como povo integrante do mundo e com condições de assumirmos uma identidade. Não foi à toa que Glauber Rocha, no seu objetivo de criar um cinema verdadeiramente brasileiro, usou Villa-Lobos, de quem era fã, como trilha para o seu lendário “Deus e o Diabo na terra do Sol” e “Melodia Sentimental” foi escolhida pelo cineasta Cacá Diegues para encerrar o filme intitulado “Deus é brasileiro”, um filme que tem Deus humanizado na figura de Antonio Fagundes, o mesmo ator que personificou Heitor Villa-Lobos nas telas.
Se o Brasil de hoje é pior que o da época em que o maestro estava encarnado entre nós, ele sempre trabalhou para melhorá-lo. Se hoje as pessoas estão pouco se importando com uma identidade cultural, a sua luta sempre foi pelo contrário. Mas a sua obra estará sempre à disposição, sempre pronta para nos mostrar o Brasil que merece ser amado e respeitado e apontar, através da arte, uma saída para a nossa miséria intelecto-social.
Por isso, no momento em que uma canonização é comemorada como um reconhecimento de nossas potencialidades, nada melhor que encontrarmos a redenção em Villa-Lobos, o nosso salvador.

* Publicado também no jornal Página Dois ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3390)

segunda-feira, 7 de maio de 2007

LUZ NO FIM DOS TEMPOS

O Planeta está doente, mas tem salvação!
Após ler o documento lançado pelo Greenpeace chamado [R}evolução Energética que propõe entre outras coisas a ampliação das nossas matrizes energéticas (solar, eólica, hidrelétrica, geotérmica, de biomassa e oceânica), o que além de salvar nossas vidas significa uma democratização do uso de eletricidade e o fim das diferenças sociais ( atualmente grande parte da população mundial é privada desse consumo, o que é um fator determinante para a acentuação das diferenças), chega-se a conclusão de que o Planeta tem salvação, o que está com os dias contados, de uma maneira ou de outra, é o sistema econômico-social no qual vivemos; ao mesmo tempo que esta conclusão conforta gera outra preocupação: será que o ser humano conseguirá?
O porquê da minha angustiante dúvida é facilmente explicável. Vamos lá:
Para que as novas matrizes energéticas ocupem o espaço necessário em nossas vidas e cheguemos à um resultado salvador é necessária também uma mudança nas relações políticas que só será conseguido com uma pressão muito forte por parte da população. Olhemos para o nosso País: Em vista do resultado das últimas eleições está claro o descaso (ou falta de rigor) do nosso povo quanto à escolha de legisladores. Será que a nossa alienada juventude conseguirá ter uma atuação participativa nesse assunto ou será necessário que algum integrante do Big Brother fale sobre (o que é praticamente impossível) para que saibam do que se trata? Ou, seguindo a tradição, formarão uma opinião baseados em duas ou três palavras que ouviram sobre o assunto e nada os fará mudar de posição? Será que as elites do nosso “impávido colosso” estarão dispostas a abrir mão de seus supérfulos para salvar o Planeta? O governo disse sim à ameaçadora (não vou explicar) soja trangênica, a mesma indústria trangênica que o plano de governo era contra, e a discussão popular em torno do assunto foi pífia. José Bonifácio, no século XIX, alertou sobre os perigos de destruição da Mata Atlântica e, no entanto, hoje até a área de 8% da área original que sobreviveu à devastação frenética está ameaçada.
Outro ponto do relatório propõe uma mudança nas relações de transporte. A solução seriam investimentos na área de transportes coletivos e uma forte conscientização das pessoas para usarem menos os veículos privados e mais os transportes públicos. E as montadoras de automóveis? E a fixação de brasileiros e americanos por carros? E o nosso péssimo serviço de transportes que é quase uma forma de castigar quem não gasta seu dinheiro comprando veículos? Será que os filhos da “Mãe Terra” estarão dispostos a abrir mão do fetiche que dominou o século XX apenas para salva-la?
A energia atômica, segundo o relatório, deve ser deixada de lado pelos péssimos efeitos que provoca em todos os sentidos. E a Indústria da Guerra? Estariam os donos do poder dispostos a abrir mão de suas ambições de dominação e lucro apenas para salvar o planeta? O Tratado de Kyoto, um projeto bem tímido se comparado à revolução elétrica, está bem longe de alcançar sua meta e as discussões de governantes e donos do poder continuam levando em consideração o modelo destruidor de queima de fósseis e lutando pelo desenvolvimento econômico do sistema excludente, mas ao invés de um boicote aos produtos dos países poluidores (Estados Unidos e China, por exemplo) o que acontece é o consumo frenético dos frutos da poluição. Será que conseguiremos em curto prazo transformar um sistema caótico no mundo dos sonhos de Francisco de Assis?
A festa da revolução industrial acabou. Está na hora de pagar a conta. Para que a população mude seus hábitos e tenha uma atuação transformadora nesse momento delicado da História é necessário que ela esteja informada e esclarecida sobre o assunto. Com uma mídia comprometida com os inimigos da [R]evolução e um mundo imbecilizado em que a única meta é emergir no sistema destruidor será uma árdua missão salvar a nossa vida.
Mas, vale a pena tentar. Ainda há tempo. Pouco, mas há.

* Publicado também nos jornais Brasileiros e brasileiras(edição de junho/2007) e Página Dois(http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3369)

sábado, 5 de maio de 2007

PÁGINA DOIS

Parabéns a Moyses Fernandes e sua equipe pelo jornal on line "Página Dois"!
De todos os veículos que escrevo, escrevi ou tento escrever esse é o único em que encontro um espaço realmente aberto, em que não há nenhuma restrição de temas e observações devido à interesses econômicos ou políticos. É o tipo de veículo que não está interessado em fazer média, nem com leitores e muito menos com anunciantes; um espaço destinado exclusivamente a aumentar o volume da cabeça do leitor.Toda vez que escrevo um conto ou uma crônica(sobre o assunto que for) o faço com tranquilidade porque sei que a única exigência do jornal é quanto ao conteúdo. Como leitor, há muito já o inclui entre minhas fontes de informação e lá li coisas maravilhosas sobre assuntos importantes para a formação de qualquer cabeça cujo propósito seja pensar.
Se você é mais um perdido em meio a tanta banalidade a procura de informações confiáveis, acesse www.paginadois.com
Eu recomendo!

quarta-feira, 2 de maio de 2007

DOMINIO PÚBLICO

PESSOAL,NÃO VAMOS PERDER MAIS ESSA:

Imaginem um lugar onde se pode ler gratuitamente, as obras de Machado de Assis, ou A Divina Comédia, ou ter acesso às melhores historinhas infantis de todos os tempos. Um lugar que lhe mostrasse as grandes pinturas de Leonardo Da Vinci. Onde você pudesse escutar músicas em MP3 de alta qualidade... pois esse lugar existe! O Ministério da Educação disponibiliza tudo isso, basta acessar o site: www.dominiopublico.gov.br <> Só de literatura portuguesa são 732 obras! Estamos em vias de perder tudo isso, pois vão desativar o projeto por desuso, já que o número de acesso é muito pequeno. Vamos tentar reverter esta desgraça, divulgando e incentivando amigos, parentes e conhecidos, a utilizarem essa fantástica ferramenta de disseminação da cultura e do gosto pela leitura. VAMOS DIVULGAR PARA O MÁXIMO DE PESSOAS:
www.dominiopublico.gov.br

METAMORFOSES

Semi analfabeto em país de analfabetos vira professor;
Curioso em país de ignorantes vira doutor;
Bandido em país de criminosos ganha cem anos de perdão;
Política no país dos mensalões vira profissão;
Vendedora no país do consumo vira rainha;
Drogas em país sem lei é farinha;
Travesti no país da mentira vira mulher;
Espoliação em país sem governo vira imposto;
Emprego no país da informalidade vira exploração;
Favela no país do turismo sexual vira ponto turístico;
Assentamento no país do latifúndio vira invasão;
Alimentação em país de esfomeados vira plano de governo;
Esporte no país do despreparo vira comércio;
Violência no país da injustiça vira espetáculo;
Teatro no país das concessões vira shopping center;
Seção de senado em país de espectadores vira programa de auditório;
Jornalismo no país da alienação vira fuxico;
Malha ferroviária no país das transportadoras vira sucata;
Música em país sem harmonia vira batuque;
Impunidade no país do jeitinho vira imunidade;
Habitação no país dos sem teto vira sonho;
Lixo no país do desperdício vira comida;
Cesta básica em país de desempregados vira prêmio;
Férias anuais no país das terceirizações viram privilegio;
Rio em país de merda vira esgoto;
Quer mais? Leia os jornais...