terça-feira, 6 de novembro de 2007

IDADE MÍDIA

“A mídia é o nosso aiatolá.”

A frase de Raul Seixas, presente no seu derradeiro álbum “A panela do Diabo”, define as relações de comunicação no nosso planeta. O mesmo poder divino creditado ao aiatolá, é dado aos meios de comunicação. São eles que decidem as músicas que serão apreciadas, os escritores que merecerão crédito, os artistas que terão o talento (ou a falta dele) reconhecido e qual parcela da população terá acesso a determinada informação.

A mídia “pensa” pela massa. Armados de microfones e câmeras, os cavaleiros televisivos decretam o que é bom e o que é ruim. Nas revistas e jornais, escrevem verdadeiras doutrinas de pensamento que levam o leitor não ao raciocínio, mas a aceitação da verdade fabricada.

Ou seja, se seguirmos uma linha de raciocínio próxima de Proudhon, constataremos que a mídia assassina os indivíduos que compõem a massa. Rouba-lhes o raciocínio, a liberdade de escolha e o senso de crítica e monopoliza os meios de informação e cultura ao sabor de seus próprios interesses. Aonde interessa o racismo, ela prega o apartheid; aonde interessa o corporativismo, ela prega a adaptação às mudanças; aonde interessa vender segurança, ela propaga a violência; e por aí vai.

Como definiu meu conterrâneo Plínio Marcos: “A cultura nas mãos dos poderosos constrangemais dos que as armas”. E a mídia é a bomba atômica do imperialismo. É através de suas verdades inventadas, de seus supérfluos vendidos como indispensáveis e da indução de ambições, que eles moldam os interesses da população aos interesses das corporações.

E é neste feudo que vivemos. Totalmente manuseados pelos dogmas e doutrinas de meios que visam perpetuar a servidão, insuflando o sonho da ascensão.

Porém, como sempre há uma brecha e é através dela que os cavalos atravessam as muralhas, a globalização corporativista também tem seu calcanhar: chama-se internet.

Se a invenção da imprensa no século XV gerou uma série de reavaliações, inclusive religiosa, devido ao maior número de pessoas que teria acesso à documentos e escritos, a anarquia (no bom sentido) de informações promovida pela internet pode alcançar os mesmos efeitos.

A vinte (talvez até dez) anos atrás, seria impensável para qualquer profissional, principalmente da área artística, lançar sua obra com um relativo alcance se estivesse fora da “panela midiática”. Hoje a coisa é diferente. Com seus blogs e sites, sua comunicação em rede, sua escala mundial, a internet é a democratização da informação. Escritores que não fazem o jogo das editoras conseguem publicar suas obras on line, músicos que não têm acesso aos esquemas das gravadoras podem lançar suas músicas sem interferências e atravessadores. O banda inglesa Radiohead gostou tanto da fórmula que decidiu lançar seu novo trabalho “In Rainbows” só pela internet (o interessado entra no site da banda e faz o download das músicas pelo preço que quiser; inclusive de graça, se assim quiser).

Novo Renascimento? Talvez. As mudanças causadas pela democratização de idéias e talentos promovida pela web já podem ser vistas a "olho nu". Provavelmente, ela será o mecenas que viabilizará as criações dos novos Dantes, Maquiavels e Michelângelos. A diversidade de textos e pontos de vista torna a internet uma fonte de informação e estudo, por vezes, muito mais eficaz que as cadeiras das univer$idade$ particulares. “O diploma universitário seria mais honesto se fosse vendido em papelaria.” (Paulo César Peréio).

O quarto poder está em xeque. Os meios de informação não podem mais serem controlados, as notícias não têm mais como serem negociadas. Qualquer pessoa com acesso à rede pode ler desde grandes obras da literatura até blogs independentes de autores não conhecidos. O acesso à cultura e à informação está democratizado. Quanto a separar o joio do trigo, cabe ao nosso sistema educacional preocupar-se menos com lucros e mais com ensino e mostrar aos nossos jovens que ser internauta é muito mais que acessar “chats” e exibir “fotinhas” com a “galerinha”.

O mundo mudou e muda a cada dia. Se a revolução causada pela internet apenas transformará o excesso de informação em um ruído ensurdecedor incapaz de transmitir algum tipo de mensagem ou será realmente uma renascença de idéias que proporcionará uma reavaliação comportamental, caberá a nós decidirmos o caminho. De qualquer forma, o monopólio da imprensa sobre a opinião pública está com os dias contados.

“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia...”

* Publicado também no jornal Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4182)

O ÚLTIMO OUTSIDER

Uma verdadeira aula de humanidade e resistencia. Assim eu defino a entrevista do médico Patch Adams (aquele mesmo que foi estereotipado por Hollywood) exibida ontem (05.11.07) no programa Roda Viva da Tv Cultura.

Sem nenhum vínculo com a hipocrisia reinante, por alguns chamada de atitude politicamente correta, o Dr. Adams não fez questão nenhuma de esconder sua repugnância pelo sistema capitalista, pelos laboratórios farmacêuticos e pelo "American way'. Faltou apenas alguma pergunta sobre o sistema de saúde cubana. Infelizmente nenhum jornalista perguntou sobre, ou se perguntou foi cortado pela edição, e nós imaginamos o porquê.

Algumas idéias transmitidas na entrevista foram:

- "90% da população não pensam uma vez sequer durante os 365 dias do ano.";

- " Tenho vergonha de ser americano. Os E.U.A. é um país terrorista.";

- " Todo pensamento é positivo. Negativo é não pensar.";

- "A industria farmacêutica está comprando a Amazônia e vocês estão deixando.";

- "Enquanto as pessoas pensarem que qualidade de vida é ter uma casa confortável e um carro de último tipo, o mundo não terá salvação.";

- "O sistema capitalista levará nossa espécie à extinção.";

Vale a pena ressaltar que as frases acima não foram proferidas por nenhum "jovem inexperiente que não sabe como a vida funciona" ou por algum "excluído que por despeito critica o sistema"; elas saíram da boca de um homem com mais de setenta anos de idade, médico reconhecido internacionalmente e residente nos E.U.A., embora se envergonhe de ter nascido lá.

Parabéns ao Dr.Patch Adams. Não sei se o último, mas o outsider mais ativo da atualidade.