quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O CANDIDATO ROCK N' ROLL

Uma nova esperança paira no ar, cada vez mais quente, do nosso mundo: seu nome é Barack Obama.

Depois dos violentos, e pouco inteligentes, anos Bush, grande parte da população estadunidense vê no negro havaiano uma luz no fim do túnel de trevas desse mundo cada vez mais corporativista. E como a paz e a liberdade do mundo, principalmente dos países ditos em desenvolvimento, estão sujeitas às decisões tomadas pela Casa Branca o assunto passa a ser de interesse mundial. Inclusive, chega a ser razoável pensar que eleitores do mundo inteiro deveriam votar nessas eleições.

Barack Obama é o candidato rock n’ roll. Assim como a música de Little Richard e Chuck Berry representava a ânsia de liberação e expressão da geração do Pós-Guerra (se bem que a guerra não acabou, apenas esfriou. E se observamos os acontecimentos geopolíticos não será absurdo concluir que ela continua até hoje), dos negros do sul dos E.U.A., o senador democrata representa o sonho das minorias (?) esmagadas por uma política voltada aos intere$$es excludentes do poder multinacional.

Ao som de U2 (os trovadores da luta religiosa da Irlanda), promete um “Beautiful day” após a longa noite “bushiana”. É o porta-voz de uma juventude emudecida pelo esvaziamento ideológico. Promete o fim das guerras burras e uma universalização no sistema de saúde cuja precariedade Michael Moore retratou no seu mais recente filme, “Sicko”. Quer um Estados Unidos realmente unido e propõe uma mudança nas relações internacionais e ambientais.

No mundo hipocritamente correto, onde a preocupação individualista é quase uma lei no pensamento corrente, Obama é um sinal de mudança. Uma mudança bem parecida com a transformação nas relações ambicionada pelos pais do rock n’roll e sonhada por Luther King.

Com a indústria cultural preocupada em fabricar uma música fácil, cada vez mais parecida com jingles, e pseudo-artistas cuja única preocupação é engordar suas contas bancárias colhendo os frutos de uma fama conquistada com 99% de promoção e 1% (quando muito) de inspiração, sem Jimmy Hendrix e sem John Lennon, o outrora anárquico rock n’roll é hoje uma monarquia mais a serviço dos interesses corporativistas alienantes do que das massas oprimidas que o originaram.

Se Obama também mudará a postura ao chegar ao topo, no caso, à Casa Branca, não se sabe. Não sabemos ao menos se conseguirá eleger-se candidato. Porém, o democrata miscigenado, cujos jantares de família "são sempre uma mini-O.N.U.", é uma via alternativa ao marasmo ideológico e traz de volta o sonho de um mundo mais tolerante e diverso.

Infeliz é o povo que precisa de heróis, dizia Brecht. Portanto, Obama reflete a infelicidade daqueles que são cada vez mais esmagados pela truculenta política corporativista, assim como o rock foi durante anos a música eleita por aqueles que sonhavam mudar o mundo.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

CAMINHOS

Todos os dias havia debate na senzala.

Reunidos na mesa do jantar - ruim e insuficiente, como diria Graciliano Ramos – os escravos discutiam suas vidas, seus planos, suas funções e, principalmente, o futuro.

Toninho era sempre o mais apaixonado em suas teses. Sempre eloqüente e esperançoso, seus olhos brilhavam quando defendia seus princípios. Ele realmente acreditava no que sonhava. Mas, para a maioria dos seus companheiros de senzala, não passava de um maluco, de um baderneiro com sérios problemas de caráter. Ele queria a liberdade.

- Será que você não percebe que isso é uma loucura, rapaz? – dizia-lhe Neto, um senhor de respeito, antigo na labuta e respeitado por todos – Esse papo de liberdade é muito bonito na teoria, mas na prática não funciona. Se fosse realmente possível, Palmares não teria sido destruída...

- Palmares caiu por uma série de fatores e nenhum deles aponta para a inviabilidade da liberdade...

- Não? Você precisa informar-se mais. Sonhar é muito bonito, eu concordo, mas o trabalho é que dignifica o homem. Nós precisamos de alguém que nos direcione, o problema de Palmares foi exatamente esse, não haviam pessoas esclarecidas para governar...

- Esclarecidos para o senhor são esses vagabundos que escravizam a gente?

- Olha o respeito, rapaz. Como é que você pode chamar nossos senhores de vagabundos? Chega a ser até ingrato da sua parte...

- Ingrato? E por que eu deveria ser grato a quem vive do luxo proporcionado pelo meu suor e em troca me devolve esta vida de merda?

- Você devia era levantar as mãos para o céu e agradecer a Deus: você tem comida na mesa, tem saúde e tem um teto. Você já parou pra pensar em quantas pessoas gostariam de estar no seu lugar? Ter a oportunidade que você tem?

- Oportunidade?!?!? De que? De enriquecer ainda mais quem sempre foi rico? De esperar os minutos de folga para fazer o que eu realmente gosto? Oportunidade de estragar a minha saúde enriquecendo essas sanguessugas?

Enquanto Neto e Toninho, ou Antonio de Ogum, discutiam, os demais escravos acompanhavam com atenção e pensavam em suas vidas. No fundo, lá no escaninho da alma, todos concordavam com Toninho. Porém, os argumentos de Neto pareciam-lhes mais sensatos, sobretudo porque enquanto um era um jovem sonhador o outro era um senhor experiente. Além do mais, já estava provado que a liberdade era para quem tinha capacidade de gestão, o que não era o caso deles.

Toninho, na verdade, pouco se importava com a desaprovação dos outros, sabia que os recursos que dispunham para livrar-se da lavagem cerebral que receberam eram escassos e enquanto a subserviência de Neto fosse tomada como exemplo, as coisas permaneceriam como estavam.

- Escute o que eu vou te dizer, garoto. Eu tenho idade quase de ser seu avô, aliás fui muito amigo dele, e me sinto na obrigação de te aconselhar: esse papo de igualdade não existe. É desculpa de vagabundo que não quer pegar no batente. E te digo mais: agradeço todos os dias da minha vida por trabalhar para um senhor que raramente nos chicoteia, e quando o faz é porque o merecemos, e tudo o que eu tenho hoje na minha vida eu devo a ele.

- E o que o senhor tem na vida? – Toninho não conseguia esconder o desprezo que sentia pelo comodismo e ignorância do respeitado conselheiro.

- Tenho respeito, uma estória linda e, dentro em breve, terei direito a um merecido descanso. Aposentar-me-ei como chefe. E sabe por quê? Porque eu lutei pra isso. Porque ao invés de sonhar eu construí minha vida.

- E foi isso que o senhor sempre quis? Quando olhava para sua velhice, era essa bela estória que sonhava construir? Não acredito.

- As besteiras da mocidade morrem com a mocidade.

- Será que a sua vida é tão desprezível que valeu a pena trocá-la por essas porcarias que o senhor julga imprescindível?

- Chega! Já falou besteira demais. – Branco e Gegê interferiram no debate enquanto Neto, com um sinal de desdém, desaprovava o comportamento de Toninho.

- A vida vai ensiná-lo. – profetizava o respeitável trabalhador.

A cada dia a situação dos escravos tornava-se mais sacrificantes. Apoiados pelos governantes, os senhores cada vez davam menos direitos aos pobres trabalhadores, além de exigirem cada vez mais dedicação. As obrigações aumentavam na mesma proporção que os direitos eram suprimidos.

Cada direito suprimido dava origem a um novo debate e paradoxalmente quanto mais eram explorados mais os trabalhadores tomavam partido do senhor.

Incomodado com as conversas abordadas por Toninho durante as refeições, Neto sugeriu aos administradores uma forma de acabar com os debates. Um mês depois, uma televisão foi instalada na senzala. O aparelho foi recebido com festa, Neto fez um discurso exaltando a benevolência dos diretores em proporcionar diversão e cultura aos trabalhadores.
Desse dia em diante, os debates foram substituídos pelos programas de auditório, novela e telejornais cujos conteúdos deixavam bem claro que qualquer sugestão de uma vida diferente daquela era um disparate.

Somente Toninho não via mais sentido em permanecer naquela situação. Desde criança nunca vira perspectiva de felicidade dentro do regime que viviam. Nunca sonhou o sonho que lhe implantavam e nem se deixou levar por congratulações e promoções. Isolado, desistiu do levante, da tomada da empresa por todos os escravos, de uma república igualitária, que tinha em mente e decidiu sair dali sozinho.

- A gente ainda não sonhou. A vida não é só isso. Nós estamos entregando nossas vidas aos interesses alheios. Eles dependem de tudo isso, nós não... Os escravos são eles e nós sustentamos com os nossos desejos a liberdade deles. Pra mim chega! Como disse meu mestre Rousseau, é preciso ter olhos pra ver e coração pra sentir. – falou o rapaz a alguns amigos poucos minutos antes de demitir-se – O que faz o forte é o medo do fraco. Eu quero ser feliz e para isso é necessário que eu seja livre. A liberdade precede a felicidade, até isso eles subverteram. E nem isso, vocês percebem. – falou o rapaz aos companheiros de cruz na última noite que passou na senzala.

Depois dessa noite Toninho nunca mais foi visto. Neto foi promovido e tratou de redobrar a vigilância e impedir que o nome de Toninho fosse proferido pelos amigos. Patrocinado pela direção, organizou palestras de motivação e exibiu documentários que mostravam o contraste da verdadeira liberdade que eles tinham naquela senzala em comparação a repressão e a miséria dos quilombos.

A liberdade até hoje não chegou àquela senzala, se bem que todos acreditam viver no modelo mais liberal do planeta. Muitos dos que ouviram o debate ainda repetem confiantes as palavras do velho Neto outros se arrependem de não terem saído com Toninho, de temerem não haver felicidade fora da escravidão e do sonho de se tornar senhor.

Neto morreu alguns anos depois de uma doença causada pelo trabalho. No enterro, muitos amigos comentaram a sabedoria e a vida correta do respeitável chefe. Os patrões não foram despedir-se, no entanto mandaram uma linda coroa de flores com um emocionante cartão que realçava a importância da obstinação e da perseverança daquela personalidade única.

Quanto a Toninho, as notícias que chegaram dele na senzala nunca foram comprovadas. Ninguém sabe ao certo como foi sua vida fora da senzala. A informação oficial, transmitida pelos meios de comunicação e palestrantes é de que ele morreu de fome nas imediações da senzala.

Alguns afirmam que ele foi morto traiçoeiramente pelas tropas dos empresários (perdão, do governo) enquanto pregava a liberdade (e a igualdade) em outras senzalas.

A única certeza que se tem é a de que ele nunca mais foi escravo.

O resto é silêncio.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A ENGRENAGEM

Augusto Boal foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz!

Não falaremos aqui sobre o quão curioso será teatrólogo vir a ser o único vencedor do tão cultuado prêmio em um país onde o teatro tem sua penetração restrita e nem sobre a grande contradição do Nobel da paz ser pago com o dinheiro da venda de dinamites, já que Alfred Nobel foi também o inventor do explosivo.

Acima de tudo isso está a obra de Boal e tudo o que ela engloba: o teatro do oprimido, o teatro legislativo (uma miscigenação de teatro com política bem ao estilo da cultura brasileira), a Libertação de D.Helder Câmara, a luta de Zumbi e do povo de Palmares, os ideais de Tiradentes e Bolívar, a pedagogia de Paulo Freire, a antropofagia modernista, o teatro instrutivo de Brecht e a paz. A paz...

Com a história contada pelos vencedores, a cultura da guerra e das revoluções é, para muitos, a mola que a impulsiona. É a guerra que propaga a opressão. É ela que mantém o governo, a educação e as informações sob controle. E como nos ensinou Cristo, o homem que disse nos trazer a espada: não devemos combater o mal com o mal. Ou seja, a paz só pode ser fruto da paz. Portanto, o teatro do oprimido do nosso curinga carioca é um grande passo rumo a uma sociedade pacífica e verdadeiramente cristã (no bom sentido da palavra).

Ou será que alguém é capaz de vislumbrar alguma possibilidade de paz entre a raça humana com a nossa sociedade dividida em opressor, opressor-oprimido, oprimido-opressor e oprimido? Será que alguém ainda é capaz de crer na paz pela força? Na liberdade vigiada? Nas invasões pela liberdade? Será que alguma esperança ainda pode ser alimentada com o avanço da política excludente das corporações?

A criação de Boal, sua visão de fazer um teatro fora da lógica separatista artista X público, de dar voz àqueles cujos papéis sempre foram assistir e aplaudir ganhou o mundo e hoje é praticado em mais de 70 países. Mais que um prêmio Nobel ao Brasil, um prato cheio para propagandas ufanistas, a sua importância está na proposta: a idéia de uma sociedade sem opressão (moral, física, financeira, intelectual, criativa, religiosa e todas as outras) onde todos são melhores do que se imaginam. Um mundo onde todos têm voz. Não a voz pedinte, a voz de que os ouvidos “superiores” se servem para exercer suas filantropias e exibir sua benevolência. E sim a voz criativa, a voz realizadora, aquela que grita que somos todos capazes e que nossa sociedade não é feita de minorias, líderes e elites, a voz que grita que nossa sociedade é feita de plenos-cidadãos. A voz de um mundo onde todos podem “sentir-se gente com a alma à solta”. Sem opressores nem oprimidos. Um mundo livre.

Com o Nobel ou não, fica a mensagem do filho do padeiro de que enquanto a nossa engrenagem depender da opressão, a palavra paz será apenas uma fala na boca dos canastrões que representam o triste teatro do bem e do mal, há séculos em cartaz na nossa arena social.

Parar de dar murro em ponta de faca e pôr um fim a esse tempo de guerra e opressão é a maior premiação de paz que daremos ao nosso caro amigo Boal, ao teatro do oprimido e a todos nós.

E o Brasil agradecerá.

ESCRITOS

Gostaria de indicar mais um projeto do agitador (no bom sentido,é claro) Walmor Dario. Trata-se do fanzine "Escritos", uma agradável opção para os que gostam de leitura e de conhecer talentos que não têm espaço no mundo das corporações.
Divirtam-se:

http://www.fanzineescritos.blogspot.com/

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

NÃO PASSOU

Os paralelepípedos da cidade não se arrepiaram.

A cada ano mais distante da ofegante epidemia que o jovem Buarque queria ver passar na avenida, o carnaval mais uma vez ficou bem distante do povo.

Povo que trabalhou, e muito, nos quatro dias de folias. Nos hipermercados, shopping centers, praias, hotéis e restaurantes estavam a postos todos os caixas, empacotadores, balconistas, recepcionistas, recreacionistas, garçons, ambulantes (os que ainda resistem) e funcionários temporários (dando tudo de si para conseguirem a graça de serem efetivados) que ao invés da folia labutaram com resignação e cansaço para melhor atenderem aos clientes de seus patrões.

Nos bairros e nas cidades pequenas, alguns populares tiveram a oportunidade de cair na folia. Seguindo a risca os mandamentos (não sei como alguma editora ainda não lançou o “Manual do folião”!), os pobres trios tocavam as músicas instituídas como sendo de carnaval e os foliões se divertiam conforme a regra: pulando, com as mãos para cima e tirando o pezinho do chão.

Enquanto isso, as emissoras de TV apresentavam os milionários trios da Bahia e as fantásticas escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo com suas celebridades (?) exibindo os padrões de beleza e conduta adequados à festa. E, como não poderia deixar de ser, ensinando ao povo que o carnaval “de verdade”, como tudo no nosso País, é um privilegio que cabe aos escolhidos e que o lugar do povo é nas pipocas, nos fundos das arquibancadas ou assistindo-os via satélite.

Nos sambódromos e nos trios, nos telejornais e nas revistas, o povo, a música e a folia serviram de coadjuvantes para o exibicionismo de celebridades vazias na forma e no conteúdo. E o samba das escolas, cada vez menos melódico, agoniza na avenida do luxo e dos efeitos especiais. Adeus batucada! Adeus Cartola e Ismael! O rio que passou na vida de Paulinho da Viola desaguou no mar da felicidade artificial e da alegria padronizada poluído pelo lixo da indústria cultural.

Resumindo: o carnaval foi igual ao resto do ano. Opressores, exibindo seus status, suas marcas e produtos, sua falsa cultura e seu vazio, de um lado e oprimidos, sonhando ocupar o lugar dos opressores e figurar lado a lado com eles (até quando?) de outro. Pelas ruas o que se viu foi uma gente que nem se viu, que nem se sorriu, se beijou e se abraçou. Com seus preceitos apolíneos, o carnaval pouco se parece com as festas dionisíacas (festas em louvor ao libertário (e banido) deus Dionísio) que lhe deram origem.

A kizomba de Martinho não é a nossa constituição, atrás do trio elétrico só vai quem paga caro pelo abadá e as mulatas hoje negam seus cabelos. Quando rola a festa, o povo do gueto fica de fora. No grande latifúndio chamado Brasil, o carnaval é uma festa para o povo assistir.

Entretanto, nas ruas de Pernambuco, a embriaguez do frevo, os maracatus e os palcos de seu carnaval plurirítmico varreram com suas vassourinhas os cordões de isolamento, camarotes e lobbys, sob a benção de Naná Vasconcelos e Alceu Valença, mantendo um facho de esperança (“ mais que nunca é preciso sonhar”) de que a vida ainda pode ser bem melhor. Resta saber por quanto tempo essa folia democrática resistirá aos apelos do status quo...