sábado, 25 de outubro de 2008

S.O.S. LAGOA

Cinco torres com 14 andares.
Esse é o novo empreendimento imobiliário (quanta bobagem!) da cidade de Santos endossado pelo "herói" Papa e seus vereadores como "obra de interesse social".
Sabem aonde?
No Morro da Nova Cintra.
E como se não bastasse o caos viário e de qualidade de vida (haverá água para todos no verão? e o esgoto?) que o "complexo" irá causar no local (só vejo vantagem para a construtora) ainda tem um outro detalhe: o "residencial" fica em frente à Lagoa da Saudade.
Quer dizer: numa época em que nunca se falou tanto de preservação do meio ambiente, o governo santista aprova um projeto, repito: sob a alegação que é de interesse social, responsável pelo desmatamento de área verde no morro, além de afugentamento de fauna e degradação da lagoa.
Isso é de interesse social?
Prejudicar um ponto turístico do nível da lagoa (que sabe-se lá porque, não é considerada como tal), a nossa população e os turistas da cidade (mesmo se muitos chegam e partem daqui sem saber da existencia de tal ponto) a troco de que?
O que fazer?
Assistir ao levantamento das cinco torres resmungando?
Esperar novas propagandas e continuar a fingir que a nossa cidade é a que vemos na publicidade?
Pedir um terceiro mandato para o Papa?
O S.O.S. Lagoa (um grupo formado para defender a Lagoa da saudade de tal empreendimento) está fazendo circular um abaixo-assinado para o Ministério Público para que sejam promovidas audiências públicas junto aos moradores do Morro da Nova Cintra e de Santos, para detalhar e rever os estudos existentes, apresentando esclarecimentos sobre os impactos ambientais na vizinhança e no trânsito decorrentes deste empreendimento.
Há um projeto para a revisão da "Lei de uso do solo" na cidade,mas os vereadores governistas (muitos deles reeleitos) esvaziaram a última sessão evitando assim a votação.
Vamos assinar enquanto ainda há tempo (será?):

http://www.petitiononline.com/soslagoa/petition-sign.html

Para quem quer saber mais sobre o S.O.S. Lagoa e os efeitos que essa nova trapalhada pode causar:
http://soslagoa.com.br/blog/

terça-feira, 14 de outubro de 2008

RECICLAGEM

Escrevi "Reciclagem" como homenagem - e total adesão - ao trabalho feito pelo meu amigo Jefferson Tubarão e seu blog dulixo. A rapaziada faz um trabalho nas escolas e periferias ensinando as crianças a transformarem lixo em arte (não arte em lixo como está na moda) além de manterem o blog aonde dão espaço para artistas que não têm espaço. Quem quiser saber mais sobre o belo trabalho dessa galera é só acessar: http://dulixo13.blogspot.com/


RECICLAGEM

Do esperma reciclado faz-se vida;
Do arroz reciclado faz-se bolinho;
Da careta reciclada faz-se riso;
Do vírus reciclado faz-se vacina;

Do novelo reciclado faz-se casaco;
Da areia reciclada faz-se castelo;
Do louco reciclado faz-se gênio;
Do discípulo reciclado faz-se mestre;

Do inverno reciclado faz-se primavera;
Da erva reciclada faz-se chá;
Do country reciclado faz-se rock;
Do almoço reciclado faz-se jantar;

Do sapo reciclado faz-se príncipe;
Da debutante reciclada faz-se noiva;
Da paisagem reciclada faz-se quadro
E do lixo reciclado faz-se arte;

Arte do lixo,
Criatividade reciclada
Apartando arte de lixo
Extraímos do lixo a arte.

Publicado também no blog dulixo (http://dulixo13.blogspot.com/2008/10/palavras-de-uma-mente-reciclada.html)

sábado, 11 de outubro de 2008

100 CARTOLA

Dia 11 de outubro de 2008. Dia de o Brasil comemorar cem anos de nascimento de Angenor de Oliveira, o Cartola.
Um século de Cartola. Um século de poesia verde e rosa. De seu samba cadenciado. Um século do divino cavalheiro.
Cartola foi o verdadeiro poeta marginal. Era o malandro daquela tal malandragem que Chico Buarque constatou já há muito tempo que não existe mais. Sempre viveu à margem da sociedade que o consumiu, só gravou o primeiro LP aos 65 anos e nunca entendeu como uma música (para ele compor era tão natural quanto qualquer necessidade fisiológica) podia ser comercializada. Vendeu suas composições sempre a preço de banana. Quantas belas músicas creditadas a outros compositores não saíram da mesma cabeça que criou “As rosas não falam”?
Cartola era majestade. Sua poesia continha a altivez da realeza. Com suas tintas mostrou a beleza da alvorada do morro que transformou em sua sala de recepção, com seu olhar arguto ensinou que o mundo é um moinho triturador de sonhos mesquinhos, que todo pranto tem sua hora e que é negra toda a tristeza nessa vida. Seu samba fez escola Em 1980 decidiu andar e foi por aí...talvez esteja atravessando todo o universo com a mesma roupagem que saiu daqui.
Seu destino foi parecido com o de outros mestres (como Van Gogh e Fernando Pessoa) e tantos artistas: o de não obter conforto material com o dinheiro de suas obras.
Como bem definiu Nelson Sargento, “o Cartola não existiu, foi um sonho que a gente teve.”.
Hoje o sonho faz um século.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

COMENTÁRIOS

Fiquei muito satisfeito com os comentários a respeito de "Miles Away".
É sempre bom saber que um texto meu alcançou o objetivo, ou seja a reflexão. Venha ela em forma de descoberta(Talita), conselho (Leo), terremoto (Zilmara), perfeição(Lucas) ou sugestão (Walmir).
O comentário de Jefferson Tubarão (meu amigo há quase 30 anos) e o seu blog dulixo merecem um post à parte.
É isso aí. Enquanto os comentários desses preciosos colaboradores - e de quem mais queira participar - me mostrarem que os textos deste blog geram algum tipo de reflexão continuarei mandando brasa por aqui.
COMENTAR NÃO É PECADO!
O resto é silêncio.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

MILES AWAY

A noite corre suave. Brisa. Olor de plantas que ainda respiram (Deus as proteja!). Miles Davis toca “Autumn leaves”. Um homem conversa com o porteiro do prédio. Uma estrela nos observa “escribiendo em el cielo sus estrofas de plata”...

A música me envolve. Meio século depois, os acordes do bruxo ecoam na sala da minha casa. Tecnologia: eis o grande milagre do século XX. A unidade do tempo. A beleza eternizada. Popularizada. O som do trompete penetra nos meus poros. No mesmo segundo, Santos vira o Harlem do jazz dos anos 40 e volta a ser Santos. O passado e o presente de mãos dadas. Relatividade. “Autumn Leaves”. Miles, Cannonball, Hank, Sam e Art tocam para mim. A harmonia traz perfume ao ambiente. As plantas aplaudem. Aposso-me do som como do brilho da estrela. Nessa noite eles são meus e são exatamente essas maravilhas (que eu tenho, mas não contenho) que tornam a noite bela.

Na portaria, os homens continuam conversando. O morador fala alto com o porteiro, gesticula, mostra-lhe a revista (fonte de todas as suas convicções) e palestra sobre as mazelas do mundo. Suas frases são maniqueístas, seu entendimento é concebido de fora para dentro. Para ele um subalterno social é também subalterno intelectual. O porteiro escuta distraído. É um alvo fixo, não pode abandonar o posto. Uma presa fácil para monólogos. Sua mente não está ali (só o pretenso palestrista, mais preocupado com suas bravatas e certezas não percebe), está, talvez, procurando uma forma de se libertar, de encontrar um emprego onde suas noites sejam noites, seus domingos, domingos; ou quem sabe está do outro lado da cidade, aonde numa virada cultural um “guitarreiro batuca sua guitarra como se fosse o tambor do terreiro”.

Virada Cultural. O samba-rock. O Brasil e os E.U.A. O clube do balanço. A América que a África pariu. Pixinguinha e Robert Johnson. Little Richard e Jorge Ben. Assim como não admito Santos somente como uma porta de entrada e saída de lucros e nem tampouco o Brasil como um simples celeiro de matérias-primas, não vejo mais os E.U.A. apenas como a truculência de sua geopolítica nem como a infantilidade de seu “way of life” e de suas propagandas; é também -e sobretudo- a desobediência de Thoureau, a estrada de Kerouac, as mutações de Beck, a Lucille de B.B.King, a geração de Hemingway, o sinal de Prince, a guerra de Welles, a batalha de La Rocha e Morello, a rebeldia de Marlon e o amor de Dian.

A estrela continua nos observando inconsciente (?) de seu brilho intenso. Brilha para mim e para alguém que a observa em Illinóis. Como Miles Davis, talvez não esteja mais ali fisicamente. Seja apenas uma miragem. Uma vida além da vida. Uma luz superior à matéria. Ou um milagre tecnológico da natureza. Na sala, “Yesterdays” também brilha. Lembro-me de Billie Holiday cantando-a. Billie Holiday morta na sarjeta. Será que algum dia ela teve consciência de seu enorme valor? Cartola lavando carros na praia de Botafogo. ”El poeta es el médium de la natureleza”. Garcia Lorca assassinado com um tiro na nuca. A lei da bala. Farofa Carioca. Penso na virada cultural, nos estivadores do porto e no mundo globalizado. A liberdade e seus subterrâneos. Haverá lugar para a arte no mundo prático da não-utopia? Miles me diz que sim. Miles e seu trompete vermelho. Sua liberdade. Seus azuis. Azul de Madre Teresa e Iemanjá. De Renoir e Gershwin. Azul da geração de crianças índigo. Sim. A arte é parte do ser-humano mesmo que ele não a saiba. Enquanto houver sentimento haverá arte. Haverá vida. Vida e virada. Haverá utopia.

O morador, cheio de ódio e mídia, se despede do porteiro acenando com a revista. A noite para ele está péssima e o dia vindouro é preocupante. Sofre. O mundo não consegue apresentar-lhe mais nenhuma beleza. É ao mesmo tempo algoz e vítima.
O porteiro não se lembra mais de nada do que foi conversado. A única parte da conversa que o agradou foi sobre o jogo de seu time. Zero a zero. Irá esperar o dia nascer para voltar a viver.

É por volta da meia-noite. Miles toca “Vênus de Milo”. Toca para a deusa do amor, para a Grécia antiga e seus artistas. Toca para a estátua que perdeu seus pés e braços sem perder a beleza. Toca para a estrela. Para si mesmo. Para o universo. Despeço-me da noite e do som satisfeito por saber que em Alton ou em Santos, em Varsóvia ou em Luanda, um garoto, apesar do mundo que está montado ao seu redor, descobre na beleza da arte - como no “Clube da luta” às avessas - um modo de tornar luminosa a sua existência e mais leve a vida de quem o encontra.

Boa noite Miles Davis. “Bye bye blackbird”. Boa noite.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

ELEIÇÕES

O texto abaixo (Emoções) foi escrito há quatro anos, mas como nada mudou no comportamento dos candidatos e eleitores não vejo problemas em relança-lo. É como se eu o tivesse escrito hoje.Por isso, quem não leu (pois ele ainda não fazia parte do blog. Foi lançado no jornal Página Dois, no B&B, que na época ainda era Brasileiras e brasileiros e está no "Desconstrução", cujo lançamento já está virando uma lenda).
E lembrem-se: comentar não é pecado.
Fiquem à vontade...

EMOÇÕES

Mal o Sol nasceu e Jorge Guerreiro já pulou da cama. Aquele domingo era dia de eleições municipais e ele como candidato a Prefeito não dormira nem um minuto.

O motivo da insônia era simples: para bancar sua campanha Jorge contou com o apoio de alguns empresários, os quais prometeu facilidades e isenções durante o seu mandato.Caso perdesse ficaria endividado.E desempregado. Abrira mão da reeleição como vereador para se candidatar à prefeito portanto a possibilidade de derrota era inadmissível.Iria arruinar a sua vida, nem Presidente de Escola de Samba poderia ser mais, pois o candidato da oposição iria manter a cidade sem carnaval.

Às sete da manhã, Jota Moreira, o marketeiro da sua campanha chegou à casa do aflito candidato. Tomaram um copo de cachaça e Jota garantiu que a vitória era certa.
- A marchinha está na boca do povo, Jorjão...

- É, mas o samba mais cantado quase nuca é o campeão do carnaval... - refletiu o experiente carnavalesco.

- Só que no carnaval o júri é técnico e nas eleições o voto é popular. Alguma dúvida que se o campeão do carnaval fosse escolhido pelo povo o vencedor seria quem tivesse o samba mais cantado. Eleição é isso: o carnaval do voto. - tranqüilizou o homem do marketing já acostumado a iludir os clientes e seus público alvo.

- Viva a Democracia brasileira!- se animou o candidato. - Mas e o enredo Jota? Achei repetitivo...

Jorge se referia ao tema da campanha: a segurança pública. O slogan era “Jorge, o guerreiro da paz” e dizia que saúde e educação eram supérfluas, pois iam por água abaixo com um tiro na cabeça. O importante para o povo era ter segurança para poder trabalhar e comprar o que quisesse...

- Eleição é repetição. O povo gosta. - concluiu o elaborador do plano de campanha. - Foi tudo impecável. O enredo, o samba, a fantasia – a fantasia eram cavanhaques postiços que eram distribuídos para o povo usar nos showmícios numa referência ao do candidato.

- Uma perfeição foi o nosso desfile – o candidato já estava com lágrimas nos olhos- os carros todos alinhados, as bandeiras, os destaques, o povo todo usando nossas camisas e o gran finalle. Que show! Se bem que eu acho que aquela dupla caipira saiu caro...

- Não é mais caipira. Agora eles formam uma dupla romântica. E você vai ver que foi barato.Quantos votos você acha que tirou da concorrência quando eles pediram emocionados pro povo pensar nos filhos, na segurança das crianças...

- É verdade. Mas além do cachê eu tive que me comprometer que toda quermesse que a Prefeitura fizer, no meu mandato, vai contratar o show deles.Já pensou que merda...

- O povo gosta...

Tomaram mais um copo de cachaça e foram votar.Na porta junto com o povo a bateria da escola de samba tocava a música da campanha acompanhada pelo coro popular:

“Jorjão sangue novo,
É o guerreiro do povo
É gente que faz.
Na minha rua todos são Jorge, são Jorge,
No meu trabalho todos são Jorge, são Jorge...

Esta última parte elaborada por Jota trazia para a campanha o apoio peso pesado de São Jorge, padroeiro da cidade, para a campanha do candidato.Aliança que Jorjão fez questão de firmar no citado showmício prometendo ao povo a “Semana São Jorge”.

- Essa atitude além de justiça com esse santo guerreiro, como nosso povo, que tanto fez por esse nosso Brasil tão sofrido, vai gerar empregos, diretos e indiretos, além de trazer turismo para a nossa região. E isso não é promessa não, vocês me conhecem e podem me cobrar, todo dia 23 de abril, será feriado municipal – concluiu emocionado o Guerreiro candidato.

- Viva São Jorge! Viva Jorge Guerreiro – gritou Jota levantando as mãos do candidato.

Na platéia lágrimas, esperanças, aplausos e cavanhaques postiços enquanto os cabos eleitorais distribuíam freneticamente os panfletos do candidato motivados pela certeza que seriam os primeiros a estarem empregados com a criação da semana milagrosa.

Na porta da casa de Jorjão alguns pedidos de emprego eram ouvidos com atenção pelo candidato que respondia prontamente:

- A questão do desemprego, que tanto abala a juventude de nossa cidade, será totalmente superada no meu governo. E daqui a quatro anos no final do meu mandato ninguém nesta cidade vai mais saber o que é ficar desempregado. Podem apostar...

- Viva Jorge Guerreiro! – gritou um cabo eleitoral enquanto a bateria da escola de samba voltava a tocar a música da campanha.

- Você é um gênio, Jota. – disse Jorge à seu assessor já sentado no banco do carro rumo a escola – Essa música da campanha com a repetição resultando em São Jorge, isso é demais.Você devia ser músico!

- Eu sou publicitário, Jorge. Hoje em dia músico de sucesso e publicitário é praticamente a mesma coisa.Quantas músicas de sucesso que tocam o dia inteiro nas rádios não foram feitas pelos marketeiros das gravadoras? Até mesmo a imagem desses ídolos que aparecem por aí. Eleger um candidato ou criar um músico de sucesso pra mim é a mesma coisa.

Agora se eu fosse músico mesmo, desses que querem um som sofisticado, acham que música é coisa séria, provavelmente taria igual à eles tocando em barzinho pra meia dúzia de intelectuais... – riram os dois da situação da música no país.

Na escola onde votou Jorge foi recebido com aplauso, deu entrevistas, votou e foi visitar outras zonas eleitorais, onde deu mais entrevistas, prometeu acabar com a violência e abraçou algumas senhoras emocionadas. Depois voltou para o seu bairro onde tomou mais cachaça, sambou, prometeu empregos e recebeu o resultado da boca de urna: empate técnico.

Às seis da tarde, horário de início da apuração dos votos, Jorge, que estava trancado no banheiro havia dez minutos, recebeu o chamado do filho Guerreirinho, futuro candidato a vereador:

- Pai, a bateria já está tocando, o povo ta todo lá embaixo gritando o seu nome, vamos descer, chega disso por hoje...

- Já to saindo. Fala que eu estou no telefone recebendo o apoio carinhoso de quem não pode vir...
Saiu do banheiro, acendeu uma vele verde, de “confirma”, para São Jorge e foi assistir à apuração.

No ginásio onde a apuração foi realizada cavanhaques postiços, gritos de “já ganhou”, abraços e alguns pedidos de autógrafo esperavam o candidato que acompanhou a abertura de urna por urna cheio de sobressaltos e idas ao banheiro, entre um copo e outro de whisky.
Mas dessa vez o povo fez justiça e o samba mais cantado ganhou a eleição. O novo prefeito ouvia, com lágrimas nos olhos, a queima de fogos, preparada pelo autor do samba, a bateria da escola e os gritos da multidão que o carregava nos ombros, “é campeão”.

E cheio de emoção e cachaça já pensava no carnaval das próximas eleições.