quarta-feira, 5 de março de 2008

DIAS DE LUZ

Neste ano de 2008 comemoraremos os cinqüenta anos de lançamento do Lp “Canção do amor demais” da divina Elizeth Cardoso, o primeiro Lp a registrar a batida do violão de João Gilberto e, portanto, o marco zero da bossa nova. Sendo assim, este é o ano de comemorarmos meio século da bossa sempre nova. Parabéns Brasil!

A bossa nova foi um sonho que o Brasil teve. Um sonho de sofisticação e simplicidade. Um sonho de popularização do refinamento em meio a um país que caminhava de encontro à realização dos ideais de uma geração sonhadora. Seu cenário era o Rio de Janeiro com peixinhos a nadar no mar e garotas com um balançar que era mais que um poema. O Rio de Orfeu, Garrincha e Niemeyer; sua pátria era o Brasil de Juscelino (o presidente bossa nova), da poesia de Drummond, das crônicas de Rubem Braga, da Gabriela de Jorge Amado e das telas de Portinari.

A bossa, com seu estilo muito natural, colocou o Brasil definitivamente entre os maiores produtores (quiçá o maior) de música popular de qualidade do planeta. Tinha na sua árvore genealógica um músico de talento ímpar chamado Tom Jobim, um poeta romântico de primeira grandeza chamado Vinícius de Moraes e um gênio chamado João Gilberto. Suas batidas, suas harmonias, suas letras coloquiais de amor e galhofa e sua miscigenação do samba da nossa terra com o jazz era a trilha sonora ideal para um país que se erguia como potência cultural e que acabava de gritar “o petróleo é nosso”.

Seus cantinhos e violões revelaram ao mundo, talentos inigualáveis como João Donato, Nara Leão, Eumir Deodato, Carlos Lyra, Astrud Gilberto e Johnny Alf, emocionaram o Carneggie Hall, fascinaram músicos como Miles Davis, Stan Getz , Frank Sinatra e Ella Fitzgerald e arrebataram inúmeros Grammys (Awards, não o genérico latino). Depois caiu na mão de charlatães sem talento que se aproveitando da popularidade que o gênero alcançava tentaram transforma-la em apenas mais um produto, como disse João Gilberto, em “jazz para débil mental.”.

Mas, como tristeza não tem fim, felicidade sim, o Brasil foi subjugado pelo medo e pela ganância e quem acreditou no amor, no sorriso e na flor depois chorou e perdeu a paz. João Goulart foi deposto, as reformas não aconteceram e JK não voltou em 65. A roda-viva de uma guerra estúpida e fria chegava ao Brasil tornando cinzas nossas tardes tão azuis. Os filhos da bossa nova surgiam então com uma preocupação maior que o refinamento musical: a de conscientizar uma população que começava a mergulhar na letargia de uma ditadura truculenta e alienante. Precisavam fazer a hora, caminhar contra o vento, lutar para que não perdêssemos a ternura.

Hoje, meio século depois que a onda da bossa nova se ergueu no nosso mar, só resta uma certeza, é preciso acabar com essa tristeza. É preciso inventar de novo o amor.

* Publicado também nos jornais "Brasileiros e Brasileiras", "Página Dois" e no site "Direto da Redação".