sexta-feira, 27 de abril de 2007

DESCULPAS...

Peço desculpas a todos que acessaram este blog em busca de "fotinhas" com "euzinho" e a "galerinha" em alguma "baladinha",mas a proposta não é essa.O objetivo do Blog Lança Chamas é expôr pontos de vista sobre determinados assuntos, que eu considero de interesse geral, e fazer com que quem leia pense sobre o assunto...caso a proposta esteja fora de suas intenções e costumes:você está no lugar errado!!!

ORGANISMO

Era no tempo das micaretas.
X* gritava eufórico tirando o pézinho do chão em meio a alegria uniformizada de mais uma MicoFolia quando em seu cérebro foi deflagrada uma revolução.
Depois de não verem atendidas suas reivindicações de uso, as lideranças responsáveis pelo raciocínio e aprendizagem decidiram pela invasão do hemisfério direito do córtex**.
A atitude visava acabar com a hegemonia dos instintos e empregar milhões de neurônios vítimas de desemprego na hemisfério esquerdo. Ou o raciocínio e o aprendizado eram usados ou a revolução deixaria graves seqüelas no hemisfério inimigo. Uma outra corrente do grupo revolucionário tentara uma mobilização dos hemisférios para tentarem um transplante para outro corpo, onde todos teriam suas ocupações garantidas evitando mortes e invasões; mas o movimento foi recusado pelos lobos da direita, que satisfeitos com a situação, entendiam como desnecessária as reivindicações da esquerda.
Aos primeiros sinais da revolução,X reagiu de forma estranha.Parou imediatamente de se sacolejar e irritado com o ambiente decidiu se retirar.Em casa, sentiu necessidade de “pensar a vida” e optou por deixar a TV desligada.
Pensou,durante aquela noite inteira, sobre as decisões que nunca tomou na vida e concluiu que fora sempre um boneco: nenhum de seus gostos, diversões, pensamentos e até sentimentos eram realmente seus, sempre aceitara automaticamente o que o apresentavam como bom e moderno. Revoltou-se com sua vida e consigo mesmo.A partir daquele dia tudo seria diferente.
No cérebro, as forças revolucionárias comemoravam a primeira vitória.O ataque surpresa não deu chances de reação e a área dos instintos foi atacada em massa pelos lobos da esquerda. Em pouco tempo conseguiram a reforma desejada e grande parte dos neurônios, até então desempregados, já estavam exercendo suas funções, depois de varrerem dos cabides de emprego aqueles que só se favoreciam por estarem do lado de quem detinha o poder. O próximo passo seria solidificar o movimento e negociar uma governabilidade mútua com a direita, evitando assim um outro desequilíbrio.
Naquele dia X trabalhou de forma diferente. Sentiu-se insatisfeito com o trabalho burocrático que exercia e, apesar da estabilidade que aquele cargo público o proporcionava, decidiu que voltaria a estudar, ou melhor, que começaria a estudar porque o seu diploma fora conseguido sem nenhum aprendizado.
No almoço, pela primeira vez em dois anos, não foi com a turma para lanchonete, onde gostava de comer um sanduíche de três andares, e foi a um restaurante, depois da refeição, ao invés de olhar vitrines, foi até um parque próximo onde contemplou a vida dos pássaros que voavam por ali e admirou suas músicas.Ele nunca tinha percebido o canto dos pássaros. A mudança foi percebida pelos amigos de trabalho,que preocupados, vinham oferecer ajuda:
O que você tem?...
Por que você anda tão triste?
Antes de responder, X pensava melhor e optava por não tentar explicar aquilo que eles não compreenderiam. Durante a semana uma mudança total de hábitos se realizou. X foi pela primeira vez a um teatro, não para ver os artistas da novela, mas com interesse no texto; trocou os filmes pornôs, que alugava quase todos os dias, pelos clássicos, deixando o funcionário da locadora entre perdido e estupefato; e decidiu usar o dinheiro, que estava juntando para trocar de carro, numa viagem para Buenos Aires. Afastou-se da turma passando a ser independente, conheceu novas pessoas e se integrou a realidades que até então ignorava; sua preocupação deixou de ser consigo mesmo, suas carências e necessidades e atingiu um aspecto coletivo.
Ouvia mais e falava menos durante as conversas, com o intuito de aprender o que tinham pra lhe ensinar ou entender o que queriam lhe contar,as fofocas da turma não o interessavam mais, ele agora tinha interesses filosóficos, sociais e até, quem diria, religiosos. Trocou a academia de musculação pela Ioga; o shopping center pelo ar livre; o ter pelo ser; transmitia calma e bom humor.
Seus relacionamentos afetivos também se transformaram: não queria mais uma pessoa que suprisse suas necessidades e alimentasse seu ego, passou a se interessar por pessoas com quem pudesse compartilhar experiências, trocar vivencias, aprender e ensinar.
Alguém que como ele não tinha como principal interesse ascender socialmente e sim criar um laço afetivo onde o bem estar de todos era o principal.Seu interesse por aprender e amor a natureza chegou a tal ponto que decidiu passar um final de semana na granja de uma tia distante só para ter a oportunidade de ver uma galinha viva de perto. Ele nunca tinha visto uma.
Mas, como toda a ação gera uma reação, as forças da direita partiram para o contra ataque e desrespeitando os mandamentos de uma revolução elétrica provocaram um curto no hemisfério esquerdo e iniciaram um embargo que provocou a queda da revolução.
Em poucas horas as forças de esquerda não tinham mais como reagir e quem olhasse aquele córtex de fora diria que nele só havia direita. O momento da retomada direitista aconteceu quando X usava seu horário de almoço para ler um pouco na biblioteca. A suave música que tocava no ambiente chamou sua atenção e ele parou a leitura para ouvir aquela antiga chanson, provavelmente foi nesse momento que se deu o curto. Indignado, X levantou bruscamente, jogou o livro na mesa e saiu correndo da livraria resmungando:
- Que música chata...de velho!!!
Voltou para a repartição com seu MP3 no último volume tocando um tecnofunkaxé em versão acústica, rompeu, pelo MSN, o novo namoro, trabalhou feliz como nunca e assim que saiu foi direto pra Academia de Ginástica onde ficou por mais de 2 horas, pouco mais de meia hora malhando e o restante do tempo se olhando no espelho e paquerando. Na semana seguinte foi mostrar à turma seu novo carro e saiu pelas ruas da cidade acima da velocidade permitida,com o som no último volume e sem respeitar nenhuma lei de trânsito.
Cada vez mais a ausência de raciocínio provocada pelo curto foi debilitando o funcionamento cerebral de X.Alguns meses depois ele já estava em estado de semi-demência. Foi justamente nessa época que ele foi classificado para participar de um reality show, onde ficou trancafiado dentro de uma casa com desconhecidos e monitorado 24 horas por dia por câmeras de TV. Mesmo assim conseguiu a terceira colocação, perdeu apenas porque o casal vencedor prometeu que fariam sexo na frente das câmeras se ficassem sozinhos na casa e foi considerado pelo apresentador do programa “um exemplo de inteligência para o País”.
Quando saiu da casa X só conseguia balbuciar algumas palavras que aprendera, não se sabe se com a produção do programa ou com os amigos de cárcere:
- É uma emoção muito forte!!!
Com o cérebro quase totalmente paralisado, a revolução que começou no córtex já se estendia por todo o cérebro, X conheceu o estrelato. Já estava em estado de demência total quando foi convidado para apresentar um programa de auditório e mesmo só conseguindo balbuciar alguns grunhidos inteligíveis e com a coordenação motora comprometida, devido a uma crise no cerebelo, o produtor e a direção geral da emissora disseram que não precisaria mais que isso para exercer a função.
A estréia do programa foi um sucesso. X balbuciava: ”êêê”,”ooo” e era prontamente copiado pela platéia.”Trhhheee”, seu grunhido mais freqüente durante o programa, entrou para o vastíssimo vocábulo dos adolescentes e alguns intelectuais da mídia o classificaram como neologismo, licensa poética..
No terceiro programa deu-se a desgraça.
Enquanto anunciava um telefone celular que proporcionava ao usuário fotografar, apostar na loteria, inscrever-se para concurso público, fazer transferências bancárias e pagar contas de luz e água; X soltou um urro e caiu no chão.Foi ovacionado pela platéia, mas como o ídolo não levantava a produção decidiu avisar a equipe médica.
X estava morto.Devido a um acordo entre o anunciante e a direção da emissora a cena da morte foi reprisada de meia em meia hora sempre sob o argumento de que a perda de X deixou uma lacuna na cultura do País. Amigos, familiares e até desconhecidos que tentavam voltar à mídia de qualquer forma compareceram ao velório e deram depoimentos emocionados sobre sua força de vontade e inteligência.
A causa mortis divulgada foi derrame provocado por forte emoção, embora os médicos diagnosticaram suicídio cerebral(falência múltipla dos órgãos).

* Em respeito ao código do politicamente correto não dei ao personagem nome, sexo e nem raça para evitar problemas com minorias ou melindres de homônimos. X é apenas a incógnita universal não significa uma inicial.

** O compromisso desse conto é com a ficção e não com a anatomia. Não toma-lo como material de estudo anatômico pois ele pode conter alguns erros nessa área.

* Publicado também nos jornais Brasileiros e Brasileiras ( edição de Dezembro) e Página Dois
( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=2315 ) e incluído no livro "Desconstução"

BRASIL GENTILEZA

O Brasil não acabou!
Quem fizer uma análise dos 43 anos de colonização norte-americana (completados no último 31 de março) e verificar os resultados obtidos pelas músicas, vestimentas, filmes, hábitos e enlatados despejados aqui numa forma de catequese e propagados pela mídia e pelas autoridades como modernidade, chegará à conclusão óbvia de que acabou. E faz tempo.
Mas nem só de Sandys e technopols é feito o nosso País, e ainda existem focos de resistência. Ou melhor, de sobrevivência.
Sobreviver? Como? Sobreviver como sobrevive a Umbanda, uma religião tipicamente brasileira (uma miscigenação do catolicismo branco com o candomblé negro e a pajelança indígena) com seus caboclos, pretos-velhos, malandros, entre outros tipos que, apesar do crescimento e dos ataques cada vez maiores do Yankee “Cristianismo Pop”, se mantém firme e forte no inconsciente e na crença da nossa população.
Quem tiver alguma dúvida percorra a orla de qualquer praia brasileira no dia 1 de janeiro e confira a quantidade de flores, perfumes, barquinhos com pedidos e espelhos que foram deixados para Yemanjá. Sobreviver como sobrevive o povo do interior do País que, apesar de toda a exploração, violência e miséria a que são submetidos encontram uma forma de expressarem-se artisticamente.
Existem grupos que percorrem o interior do Brasil levando a cultura popular dos cordéis, mamulengos e teatro mambembe para a população dessas localidades. Um deles chama-se Grupo Carroça dos Mamulengos. Formado pelo artista goiano Carlos Gomide, sua esposa Schirley França, os oito filhos do casal e o músico Beto Lemos. O grupo dá uma aula de amor à arte e à vida; não tem o patrocínio de nenhuma ONG estrangeira, nem o apoio dos grandes veículos da nossa mídia; fabricam seus próprios bonecos e figurinos, produzem seus espetáculos e procuram inspiração no folclore de nosso País, na sabedoria popular, nos folguedos e nas melodias de estrada.
As apresentações do “Carroça” são feitas em escolas e praças públicas e têm como platéia pessoas simples, que nunca estarão nas salas de teatro onde as “estrelas globais” encenam seus besteiróis, mas com uma riqueza cultural que os “intelectualóides” das grandes cidades ( “Não sabem governar suas cozinhas, mas podem governar o mundo inteiro...” como eternizou Gregório de Matos) jamais alcançarão sem mudar os hábitos e as fontes de informação.
Carlos Gomide (líder e fundador do grupo, além de pai da família) começou fazendo teatro de mamulengos em 1977, casou e teve seus oito filhos “na estrada”. Com o crescimento da família e a necessidade de integrar as crianças às apresentações o teatro de mamulengo foi transformado e o grupo adotou um estilo único. A família vive de forma itinerante e muitas vezes se hospeda na casa de algum outro autêntico defensor da nossa cultura.
A felicidade, o amor e o orgulho daquilo que fazem é tão prazeroso de se admirar quanto às peças bem humoradas do grupo, que são na verdade grandes brincadeiras de uma família de artistas, cheias de beleza e talento, que resgatam o nosso cancioneiro e mantém viva a nossa cultura. Nenhum integrante do grupo está interessado em faturar um milhão trancafiado em um casarão dizendo asneiras; nem há o interesse por parte deles de gravar um vídeo-clip para franquia de emissora americana. Eles têm aspirações maiores: o de sobreviver da arte, pela arte e sem enganar ninguém. E conseguem.
O Brasil deles é o das feiras, quadrilhas, cirandas e romarias. O Brasil do Movimento dos Sem Tela de Hermano Figueiredo, o cineasta pernambucano que sem as verbas do Ministério da Cultura e parcerias com multinacionais, sem espaço para exibir seus filmes, já que a maioria das cidades brasileiras não possui salas de cinema e as que possuem também não lhe dão espaço, o faz em barrigas de vaca, velas de barco ou qualquer superfície possível. O Brasil que Mario de Andrade quis pesquisar. O Brasil de Genésio Tocantins, de Silvério Pessoa, de Bispo do Rosário: o “Brasil Gentileza”. Um País que paralelamente ao catastrófico “Brasil Colônia” sobrevive, apesar do latifúndio “autoperpetuante” e da “multinacionalização”. Um Brasil realmente pensante, sem a influência nefasta da “engenharia do consenso” da mídia colonizadora e entreguista.
Viva o Grupo Carroça dos Mamulengos! Viva Hermano Figueiredo! Eles sim, são credenciados a dizerem que trabalham pela cultura nacional com muito mais autoridade que “personalidades” subservientes que, a pretexto de se dizerem artistas, colaboram, cada vez mais, para a sua descaracterização e falência.