sexta-feira, 27 de abril de 2007

BRASIL GENTILEZA

O Brasil não acabou!
Quem fizer uma análise dos 43 anos de colonização norte-americana (completados no último 31 de março) e verificar os resultados obtidos pelas músicas, vestimentas, filmes, hábitos e enlatados despejados aqui numa forma de catequese e propagados pela mídia e pelas autoridades como modernidade, chegará à conclusão óbvia de que acabou. E faz tempo.
Mas nem só de Sandys e technopols é feito o nosso País, e ainda existem focos de resistência. Ou melhor, de sobrevivência.
Sobreviver? Como? Sobreviver como sobrevive a Umbanda, uma religião tipicamente brasileira (uma miscigenação do catolicismo branco com o candomblé negro e a pajelança indígena) com seus caboclos, pretos-velhos, malandros, entre outros tipos que, apesar do crescimento e dos ataques cada vez maiores do Yankee “Cristianismo Pop”, se mantém firme e forte no inconsciente e na crença da nossa população.
Quem tiver alguma dúvida percorra a orla de qualquer praia brasileira no dia 1 de janeiro e confira a quantidade de flores, perfumes, barquinhos com pedidos e espelhos que foram deixados para Yemanjá. Sobreviver como sobrevive o povo do interior do País que, apesar de toda a exploração, violência e miséria a que são submetidos encontram uma forma de expressarem-se artisticamente.
Existem grupos que percorrem o interior do Brasil levando a cultura popular dos cordéis, mamulengos e teatro mambembe para a população dessas localidades. Um deles chama-se Grupo Carroça dos Mamulengos. Formado pelo artista goiano Carlos Gomide, sua esposa Schirley França, os oito filhos do casal e o músico Beto Lemos. O grupo dá uma aula de amor à arte e à vida; não tem o patrocínio de nenhuma ONG estrangeira, nem o apoio dos grandes veículos da nossa mídia; fabricam seus próprios bonecos e figurinos, produzem seus espetáculos e procuram inspiração no folclore de nosso País, na sabedoria popular, nos folguedos e nas melodias de estrada.
As apresentações do “Carroça” são feitas em escolas e praças públicas e têm como platéia pessoas simples, que nunca estarão nas salas de teatro onde as “estrelas globais” encenam seus besteiróis, mas com uma riqueza cultural que os “intelectualóides” das grandes cidades ( “Não sabem governar suas cozinhas, mas podem governar o mundo inteiro...” como eternizou Gregório de Matos) jamais alcançarão sem mudar os hábitos e as fontes de informação.
Carlos Gomide (líder e fundador do grupo, além de pai da família) começou fazendo teatro de mamulengos em 1977, casou e teve seus oito filhos “na estrada”. Com o crescimento da família e a necessidade de integrar as crianças às apresentações o teatro de mamulengo foi transformado e o grupo adotou um estilo único. A família vive de forma itinerante e muitas vezes se hospeda na casa de algum outro autêntico defensor da nossa cultura.
A felicidade, o amor e o orgulho daquilo que fazem é tão prazeroso de se admirar quanto às peças bem humoradas do grupo, que são na verdade grandes brincadeiras de uma família de artistas, cheias de beleza e talento, que resgatam o nosso cancioneiro e mantém viva a nossa cultura. Nenhum integrante do grupo está interessado em faturar um milhão trancafiado em um casarão dizendo asneiras; nem há o interesse por parte deles de gravar um vídeo-clip para franquia de emissora americana. Eles têm aspirações maiores: o de sobreviver da arte, pela arte e sem enganar ninguém. E conseguem.
O Brasil deles é o das feiras, quadrilhas, cirandas e romarias. O Brasil do Movimento dos Sem Tela de Hermano Figueiredo, o cineasta pernambucano que sem as verbas do Ministério da Cultura e parcerias com multinacionais, sem espaço para exibir seus filmes, já que a maioria das cidades brasileiras não possui salas de cinema e as que possuem também não lhe dão espaço, o faz em barrigas de vaca, velas de barco ou qualquer superfície possível. O Brasil que Mario de Andrade quis pesquisar. O Brasil de Genésio Tocantins, de Silvério Pessoa, de Bispo do Rosário: o “Brasil Gentileza”. Um País que paralelamente ao catastrófico “Brasil Colônia” sobrevive, apesar do latifúndio “autoperpetuante” e da “multinacionalização”. Um Brasil realmente pensante, sem a influência nefasta da “engenharia do consenso” da mídia colonizadora e entreguista.
Viva o Grupo Carroça dos Mamulengos! Viva Hermano Figueiredo! Eles sim, são credenciados a dizerem que trabalham pela cultura nacional com muito mais autoridade que “personalidades” subservientes que, a pretexto de se dizerem artistas, colaboram, cada vez mais, para a sua descaracterização e falência.

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