terça-feira, 22 de abril de 2008

SINAIS

Sinal vermelho. Pare. Sinal verde. Contramão. Velocidade máxima permitida. Travessia de pedestres.

Para que servem as sinalizações? Por que existem leis de trânsito? É óbvia a resposta que as leis, no caso do trânsito, servem para assegurar uma convivência harmoniosa. Mas, no caso do que vemos pelas ruas do Brasil a afirmativa pode bem ser interpretada como falsa. Se na teoria todos aparentemente concordam com a afirmativa, na prática quase ninguém as respeita. Resultado: o caos.

Talvez o nosso trânsito seja a demonstração cabal da selva em que ainda vivemos, dos selvagens em que nos transformamos e da fraqueza da nossa civilidade. No país do “quem pode mais chora menos” e “cada um com os seus problemas”, o descalabro instalado em nossas avenidas, ruas e rodovias é a metáfora perfeita do individualismo reinante. Aí está a conseqüência do tão aclamado jeitinho: salve-se quem puder.

Como esperar de uma população que não consegue respeitar um código tão elementar para a convivência pacífica como o de trânsito a construção de uma grande nação? Como falar em cidadania, democracia ou o que quer que seja para quem não consegue respeitar uma faixa de pedestres? O número de acidentes com mortos, cuja causa é o desrespeito às mais elementares leis de trânsito, dá para preencher a nossa televisão com programas diários, desses que gostam de espremer o sangue das vítimas da nossa selvageria ou até mesmo alguma produção com o intuito de conscientizar e sociabilizar, coisa raríssima de encontrar nas nossas emissoras ( mais preocupadas com os próprios interesses que com as obrigações perante o país que lhes deu a concessão), sem necessidade de reprise.

Quem é o culpado? O governo? O sistema de educação? A má distribuição de renda? Não. A culpa é do individualismo que rege a vida nacional. A culpa é da falta de sensibilidade pelos interesses do próximo, dessa lei da selva onde somente os fortes sobrevivem (no trânsito, a preferência nunca é do pedestre) e cada um visa apenas os seus próprios anseios. Aonde as nossas classes “A” e “B” enfiam toda a sua elegância, esclarecimento e sensibilidade quando a bordo de seus automóveis (muitos deles importados) cometem atrocidades dignas de deixar boquiaberto o exército de Átila?

É esse individualismo burro, que muitos gostam de intitular malandragem, a causa do nosso caos. É através dele que elegemos nossos governantes, que educamos nossos filhos, que parimos a guerra urbana que se instituiu em nossas metrópoles. E regidos pelos mesmos individualismos é que tentamos encontrar as soluções. Pra que buscar soluções? Pra que mostrar solidariedade com as crianças assassinadas quando desprezamos os vivos? Pra que tentar buscar soluções para a paz quando a nossa única preocupação é com a nossa própria segurança? Pra que discutir quando começa a vida se a partir do nascimento somos todos moldados segundo a doutrina do “cada um por si”? Pra que discutir política quando o nosso único interesse é pela nossa própria estabilidade em detrimento de qualquer tentativa de se construir uma nação de verdade? Será que as regras de respeito e convívio são tão desbaratadas para nós como eram as leis da cavalaria para os contemporâneos de Cervantes?

Não foi pensando nos pequenos interesses individuais, nem na mesquinharia dos oligarcas que os E.U.A. (que gostamos tanto de nos comparar) se tornou independente e firmou-se como nação. Mesmo com o egoísmo aguçado pelo capitalismo, o sentimento de coletividade, de patriotismo é o que impulsiona o País. Se Fidel deixa o governo de Cuba com a certeza de que sua Universidade-Ilha jamais voltará a ser um balneário é porque sabe que os ideais da revolução deixaram para a população a certeza de que o coletivo é mais forte que o individual.


Enquanto em nossas vias continuarem circulando a barbárie do nosso personalismo, nenhum partido, religião ou sistema nos livrará da realidade fabricada pelo nosso egoísmo e aqui será sempre, como bem disse Torquato Neto, o fim do mundo. O país dos heróis sem caráter de Mario de Andrade, do “sabe com quem está falando?” de Roberto da Matta, da corrupção, das brigas de torcida, da bala perdida, da dengue, do seqüestro relâmpago, do coronelismo, do legal-imoral, da “pilantropia”,dos engarrafamentos e de toda a sorte de catástrofes que o desrespeito ao próximo pode causar.

4 comentários:

Anônimo disse...

obaaa!! voltaste a escrever e com "bala na agulha", afiadíssimo...

beijokas meu amiguinho rs

Zilmara Dahn disse...

Concordo,concordo e concordo. Me dá sarampo certas manifestações e infladas de peito pelo coletivo, quando o histórico individual demonstra brigas de bar e cachorro fazendo cocô no portão do vizinho durante o passeio matinal.Há um bloqueio nessas mentes perigosas em perceber o quão comprometedor e prejudicial se tornam suas "pequenas ações" individualistas e por eles, inocentes.No trânsito então o sangue no olho é permanente, pois ninguém pode atravessar o caminho ou desafiar a potência de suas máquinas, ou melhor,de sua inconsciente exibição peniana.

Walmir disse...

Aterrador o seu post, mano blogueiro.
Podem juntar-se todas as sociologias, explicar todo frenesi competitivo da sobrevivência, incensar todos os altares ritualísticos de tantas religiões que o logo cultural, aflorando no coletivo e no individual, nãoi será combatido.
Paz e bem
walmir
http://walmir.carvalho.zip.net

Leonardo Machado disse...

clap! clap! clap!
Alguém me entende! :P
Welcome back, brother.

Vc apontou o maior problema do direito moderno: enquanto para os povos antigos as 'leis' eram apenas a manifestação, a 'positivação' como gostam os juristas, de um ethos, de um modo de ser, isto é, era uma REDUNDÂNCIA, nós, os moderninhos acreditamos ser possível escrever primeiro e SER depois. Santa ignorância.

Como disse o velho Platão lá na República, quando analisamos o processo de formação, de "educação", nos deparamos com o seguinte paradoxo: se vc tem como princípio, por exemplo, não matar, não há necessidade de nenhuma lei escrita; por outro lado, se vc não tem tal princípio, nenhuma lei escrita te impedirá de fazê-lo. (!)
O problema é como, quando e onde "surgem" e se "aprendem" tais princípios...

grande texto, irmão.

Abraço