Mais um edifício entulha a paisagem. A cada dia um novo andar, um novo plano, um novo financiamento. Adeus cheiro de grama , adeus árvores, adeus casas baixas e conversas no portão. Adeus paisagem na janela.
Os pedreiros correm. A construtora tem pressa, os novos proprietários têm pressa. Quadras, saunas, academias, cinemas, portões, sistema de monitoramento e shoppings. Segurança total. Muros altos cercarão o condomínio. Bem vindos à nova Idade Média.
Lembro-me de Lennon e sua imaginação: “é fácil, se você tentar.”. Se tentarmos, jovem John, não teremos dificuldades em construir um mundo justo. Um mundo sem portões e sem medo. Porém eu me pergunto: e quando esse mundo estiver construído, quem limpará os chãos da Europa? Quem se equilibrará nos andaimes para construir arranha-céus? Quem limpará a imundice dos banheiros públicos? Quem aumentará a porcentagem de desempregados (de fundamental importância para que os empregados se submetam às explorações para não perder o disputado emprego)? Não basta imaginar, meu poeta. Será preciso uma reforma de ideais.
Talvez Marcuse estivesse com a razão. Talvez a redenção venha dos “outsiders”, dos renegados, dos países periféricos do terceiro mundo. Mas, olhemos o nosso País:
Onde estão os “outsiders”? O que vemos é uma correria rumo ao sistema. Quem está dentro não sai de jeito nenhum e quem está fora quer entrar de qualquer jeito, mesmo que para isso seja necessário matar, morrer ou emigrar. Mesmo que seja necessário colaborar com o sistema imbecilizante. Mesmo que vencer signifique perder. Não Marcuse, não há mais lugar para os “outsiders”, eles são figuras do passado. Maio de 1968 está longe demais. Hoje quem sai às ruas, sai para reclamar sua fatia no bolo do consumo. O sonho de explorar faz com que se aceite a exploração. Como constatou Nabuco de Araújo, o senhor está no escravo e o escravo está no senhor.
Ray Simith (Kerouac) e Japhy Rider distantes da civilização e sem vontade de voltar. ”Enfiem o progresso no rabo”. Vagabundos iluminados. “Toda montanha é um Buda”. Milhares de rapazes latino-americanos, com dinheiro no banco, vivem ilegalmente nos Estados Unidos da América. Sonham com o green card, com o american way. Enquanto no Brasil, o delírio é o regime. A mídia atordoante prega o conformismo, a adaptação às mudanças do mundo corporativista. Filhos sucedem pais nas artes, nas administrações, na política e na miséria. Nada de novo no front.
O sonho cubano está embargado. O negócio é consumir bugigangas da China, usar nossos eletrodomésticos à exaustão, engarrafarmo-nos em congestionamentos, nos entupir com as químicas dos laboratórios e enlouquecer em academias e shoppings. E foda-se o Planeta! Fodam-se os escravos! A luta pelo conforto é a busca do ócio legitimado.
Não há mais espaço para a grande recusa. Adeus Guevara. Adeus Francisco de Assis. A cada esquina um novo edifício aumenta um andar. Em cada lar o sonho de consumo corrói um cérebro indefeso. A cada dia a vida se esvai. A cada hora a máquina aumenta suas cifras, seu poder de destruição e sedução. A cada minuto uma nova armadilha. Uma nova guerra, um novo medo, um novo vício.
Pois saibam que ainda estão rolando os dados. A palavra cantada de Paulo Tatit dissemina a sensibilidade nos corações férteis e Carlinhos Brown nos mostra que ainda não sonhamos e que tudo recomeça. Quem sabe, os jovens, sem clubes e sem esquinas, acordem de um sonho estranho e os pedreiros sigam o conselho de Rubem Braga trocando as obras e o parco salário por dias inteiros de jogo de petecas nas praias. E dos corações atarantados poderá ressurgir o amor; dos cérebros anestesiados, as grandes idéias; do ócio, a criação e dos sonhos destroçados se fará a utopia.
"You may say I’m a dreamer but I’m not the only one... "
* Publicado também no jornal "Página Dois" (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4146) e no site "Templo XV" (http://temploxv.pro.br/obraxv.aspx?idObra=339&Entidade=4&idAutor=6901).
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
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7 comentários:
Sabe, eu moro em prédio. Não esse feudo que vc descreveu. Um predinho de dois andares. Moro aqui há uns vinte anos. E faz uns dezoito que eu não entro na casa da maioria dos vizinhos. Síndrome do pânico? Não. É que fica naquela, eu não te convido, vc não me convida. Então tá...
Imagine nesses mega edifícios que inventaram agora? Tem tudo lá dentro. Acho que tem até agência do correio. Ninguém precisa sair!!
Hoje quem não mora num desses é porque não aprendeu a consumir direito. Lá vc consome uma mini academia, uma piscina, um salão de festas, pseudo-amigos, vagas de garagem. E consome também não só um simples ladrão, mas uma quadrilha altamente especializada em condomínios fechados, combinação de cofres e jóias. Hein? Viu como seu nível já é outro?
Com muita sorte arrancarão o seu Rolex e vc poderá escrever uma cartinha pro jornal.
O problema é que vc não é famoso e ninguém irá lhe consumir.
Bobagem. Um dia vc chega lá.
“Podem até lhe chamar de sonhador... mas vc não é o único...”
( Pobre Lennon! Se estivesse enterrado, daria três voltas no caixão.)
tava inspirado em, irmão. Tá quase dando bug aí?
Na boa, vc tá coberto de razão, eu vira e mexe durmo e acordo pensando nisso tudo e nem vejo 'saída' (por falta de palavra melhor). You´re not the only one, for sure, but when the hell will the others join us? Or even worst: when the hell will we start to really work for them to join?
Abração cara, vo almoçar enquanto o sistema não me engole.
Bom, minha realidade não é essa...tenho a natureza ao meu redor, na minha cidade não temos construção maoires que 3 andares...os portões ainda estão abertos, com o café quente na garrafa pro amigo que bater palmas...mas penso mto nos meus filhos, que com certeza irão qrer mais do mundo é isso que esta formado pra nova geração...mas eu continuarei aqui...trabalhando pra comer, vivendo pra sorrir, podendo por um vinil na agulha, pegar um livro na mão, sentar na rede em minha varanda,observando o céu azul, o verde das árvores, a passagem de uma ave levando comida aos seus filhotes no ninho em meu quintal...
"Sonho que se sonha junto
é realidade..."
Verdade, meu amigo, que precisamos parar de crescer, de esgotar o planeta. Precisamos encontrar modos mais próprios à vida, e o seu discurso caminha neste sentido. Os frutos desse progresso maluco, desse crescimento esgrenhado contêm mais veneno que alimento bom.
São frutos de um certo desespero coletivo, frutos de manada que, em determinados momentos correm todos por um lado só. Quando vejo os records de máquinas produzidas, anunciados com glórias afirmativas de políticas de crescimento, fico besta.
Mas tb temos cientistas trabalhando sobre os efeitos desta loucura, sendo ouvidos. Temos vozes nos movimentos verdes, os impulsinadores de crescimento a qualquer preço não estão se sentindo muito à vontade, já medem as palavras.
História é bicho preguiça, rapaz, move-se devagar.
O Deus-Mercado vai, pouco a pouco sendo domado.
Confia, rapaz, e continua colocando sua pedrinha na construção do tempo.
paz e bem
releio o texto e acho cada vez melhor.
paz e bem
nde moro em Campinas é um bairro bem popular, no qual os muros ainda são baixos, os portões a maioria ainda não são eletrônicos, sabemos quem é nosso vizinho, "filamos a bóia ou o cafezinho" sem cerimônia...
Mas a apenas um bairro pra baixo, é bairro classe média alta, mínimo de 3 carrões na garagem, muros que fariam inveja a prisões de segurança máxima do tio Sam.Vizinho? o que é isso? e ainda entre meu bairro e esse, somos cercados por favelas, sendo uma delas considerada a "rocinha" campineira.
É, o mundo mudou muito de uns 30 anos ou mais para cá. Fui criança num bairro do Rio de Janeiro onde se andava de bicicleta e patins no meio da rua. Com 9 anos ia para o colégio, que não era lá muito perto, sozinha. Ia e voltava de bonde... Tenho saudades desse tempo? Talvez, de algumas coisas, tenha saudades, sim. Mas não sou dada a saudosismo e prefiro voltar meu olhar e meu pensamento para o que adquirimos de bom. Nesse tempo, morria-se de tuberculose, não havia as vacinas que há hoje. Para se telefonar para outro país, era um verdadeiro parto, esperava-se horas e horas até se conseguir que a ligação fosse completada.
O que aconteceu com o mundo, então? Simples: tecnologicamente progredimos largamente, enquanto que espiritualmente - e não falo de religiosidade, mas de algo que transcende à matéria - continuamos engatinhando. Comparo a humanidade atual a um tremedo aleijão, onde uma parte cresceu e a outra ficou anã!
Não é o progresso o grande vilão da história, mas o ser humano e sua essência, sua ambição crescente que não vê meios, mas tão somente os fins.
Pode se comparar a um ser que cresceu intelectualmente, frequenta uma universidade, mas, emocionalmente, permanece infantil. A criança é e sempre será imediatista. Ela não pensa nem se preocupa com o futuro. É o aqui e agora! Assim está a humanidade ou "Assim Caminha a Humanidade".
abçs
gina
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