Liberdade! Liberdade! Abra as asas sobre nós!
Onde está a tão sonhada liberdade? Não a liberdade, sem pão e sem poesia, prometida pelos liberais capitalistas nem a liberdade cara-de-pau do rapaz que, acorrentado ao estigma de bad boy, gritava: "I’m free to do what I want...” e muito menos aquela que alguns viram raiar no horizonte do Brasil.
A pergunta é: Onde está a liberdade do ser - humano de ser humano? A liberdade das contradições e enganos. A liberdade de viver.
Vivemos no mundo-máquina do homem de negócios, do homem-negócio, do ser-produto. Cada um com seus rótulos e problemas. Perseguindo títulos para aprisionarmo-nos neles. E ali vivermos, falsificados e tranqüilos.
“O ser – humano está condenado à liberdade.” Engano seu, Sartre. O ser – humano condenou a liberdade. Ela está fora do nosso cardápio. Nascemos e crescemos procurando uma embalagem que nos acalente, que nos dê uma identidade, um grupo, um gueto. Um rótulo que pense por nós.
E nessa selva de clichês, nesse emaranhado de pensamentos pré-concebidos e raciocínios fabricados é que nos reproduzimos. Assim perpetuamos o nosso vazio existencial, transmitimos o legado de nossa miséria, a nossa aglomerada solidão, é verdade Tom Zé, ou o nosso defeito de fabricação.
Não, não queremos a liberdade, Bilac. Queremos que as asas dela fiquem bem distantes de nós. O que buscamos é espaço no mercado. Queremos nos vender. Queremos uma prateleira que nos aceite e que nos qualifique. Somos muitos Severinos, iguais em tudo na vida.
Queremos rotular e sermos rotulados. Morrer de tédio e vício. Assim nos mataremos. “A liberdade é a lei humana”, sentenciou Victor Hugo. É uma pena, pensador, estamos cumprindo pena. Perdemos a lei e estamos em leilão. Somos produtos no mercado. No mercado de trabalho, no mercado de consumo, no mercado do sexo.
Nossa única necessidade é consumir o mercado que nos consome. Adeus fogo. Adeus poetas. São demais os perigos desta vida para quem tem paixão. Descartes cartesianos. Nunca mais o humano, apenas o super-homem, a super-máquina. O politicamente correto.
Tempo de homens partidos. De futebolistas robôs. De workaholics. De música eletrônica. De namoros virtuais. De substantivos subtraídos. Nosso mundo é o dos adjetivos. Das propagandas. Dos meios-mensagens.
Tempos modernos de Carlitos mecanizados e vencedores perdidos. Tempo do homem morto, da ternura perdida. Andy Warhol triunfa. Em cada esquina uma pop star estilizada busca seus quinze minutos. Tempo de formigas disfarçadas de cigarras.
Tempo de choro e ranger de dentes. De estereótipos e arquétipos. De signos e números. Tempo de solidão. Tempo de prisões e propriedades. Tempo de cobiça. De tropas e elites. Tempo, tempo, tempo, tempo...
Lutemos pelo planeta. O mundo vai acabar. Não, o mundo não acabará. O ser – humano é que irá desaparecer. Ou já desapareceu. Ou ainda não floresceu.
Liberdade, Liberdade. Paulo Autran viverá para sempre. “A canção está morta” (Chico). Não é bem assim, meu caro Buarque. As canções serão eternas nos corações resistentes dos homens cordiais.
Libertemo-nos! Liberdade ainda que tardia. Descubramos nossa missão. O tempo é curto. Na Oficina há uma vela. Ouçamos o som do sim. Somos os únicos seres capazes de comoção. Tira, põe, deixa ficar...
Humanizemos nossas vidas. Enxerguemos o mundo. Os mundos no mundo. Cultivemos nossas contradições e metamorfoses, nossas diferenças. Sem rótulos. Sem raças. Sem religiões. Sem profissões e sem classes. Sem governos e sem fronteiras. Somente o ser, o humano. O demasiado humano.
* Publicado também no jornal Página Dois (http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=4109)
quinta-feira, 18 de outubro de 2007
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8 comentários:
É Leandro até aonde somos capazes de ir...Até qdo somos capazes de voltar...Voltar de coração e mente vazia...Vazia de amor, de cultura...Ainda tenho a sorte de morar numa cidade pequenina chamada Porto Belo-SC, aonde podemos andar de pé no chão, caminhar na praia em dia de lua cheia, trabalhar 8 horas por dia pra sobreviver e ter tempo de levar os filhos no parquinho anoite, dormir de janela aberta, sentir a brisa do mar, ouvir os cantos dos passaros sem as buzinas constantes...Posso dizer que moro no paraíso...aonde lutamos pra que continue assim, que eu possa criar meus filhos, soltando pipa e jogando bolinha-de-gude na terra em frente ao portão...ASSIM É MEU PORTO, MEU BELO, MEU PORTO BELO...VAMOS CAMINHAR NAS ASAS DAS BORBOLHETAS!
:)
Vou espalhar as suas palavras por aqui também. Certeiro!
Lindo texto.Mas sei de uma verdade.Só se é livre no escuro. A liberdade do "ser imperfeito e não se condenar por isso". As máscaras sempre me incomodaram. Parece que ser autêntico é crime ou que ser feliz é sentença. Aí ditam um padrão a seguir.E as gaiolas de ouro se entopem.Pra quê sermos livres se todos serão iguais? E ninguém será mais que o outro?
Como dizia Salomão.." Vaidade. Tudo é vaidade."
Leandro, seu texto é um grito de alerta em forma de prosa poética.
Um grito de quem sufoca diante do ser robotizado que segue a manada sem perceber para onde está indo - apenas segue, cego, na certeza de que está certo pois caminha junto, sem olhar para os lados ou para dentro de si mesmo, sem questionar, convencido que está de sua liberdade...e amedrontado de ser diferente.
Ser que não se dá conta das regras sem conta e sem sentido e as aceita como verdades eternas pois passadas de avós para pais e de pais para filhos.
Ser do estabelecido que não ousa, não se aventura e precisa, urgentemente, ser aceito por ser igual.
Ser que vem se tornando amorfo, produto da mesma forma, levado pela corrente que o leva para o mar onde será apenas mais uma gota entre tantas...
abçs
regina
Sua divagação me trouxe à lembrança um ótimo tema da peça ARENA CONTA TIRADENTES: "O pássaro na gaiola, já nascido em cativeiro,/ aprende a cantar e canta se permanece prisioneiro./ Mas, se lhe abrem a portinhola, bem capaz é de morrer,/ com seu medo à liberdade, já não sabe nem viver".
Infelizmente, desde a instauração plena da sociedade de consumo, o que temos são mesmo pássaros já nascidos em cativeiro e que só sabem viver no habitat artificial e desumano das metrópoles modernas.
Para ficar nas pequenas coisas do cotidiano: vejo os "homos consumistas" sentirem o maior prazer em se aglomerarem no espaço claustrofóbico os shopping centers, com seu ar viciado. Eu, que não nasci em cativeiro, sinto-me sempre ligeiramente incomodado nos shoppings. E, ao sair, aspirando ar fresco, me vem uma sensação de bem-estar. Que saudade dos tempos em que vivíamos nas ruas e nas praças, livres, soltos e naturalmente belos, com a moda que criávamos para nós e não com lixos impingidos!
Num filme que para mim é cult, O HOMEM QUE BURLOU A MÁFIA, do Don Siegel, o personagem principal adota o dístico "o último dos independentes". Eu também às vezes me imagino como "o último dos homens livres".
Mas, confio nas reviravoltas da História: a extrema domesticação do ser humano acabará gerando seu contrário. Novos rebeldes surgirão, mais dia, menos dia. Espero estar vivo para saudá-los.
Reflexão necessária, meu caro. Como diz o poema de Höderlin, "onde mora o perigo tb cresce a salvação". Talvez precisemos chegar ao limite para, ou passarmos realmente a VIVER ou para que PEREÇAMOS de uma vez. Mas a beleza está na corda bamba. Vivamos no limite. Somos fortes.
Abraço
Caro Leandro,
temos uns certames difíceis pela frente, sempre os teve a humanidade: apaziguar a criança selvagem dentro de nós e amaciar o adulto rígido que temos por fora.
Paz e bem
LIBERDADE, fora a do dicionario, eu não conheço outra.
Em um dos ultimos GLOBO REPORTER da GLOBO, mostrou que para sustentar uma familia
as pessoas são obrigadas a ter de 2 a 3 empregos e trabalhar de 12 a 20 horas por dia.
Algumas pessoas podem fazer o que quer e não acontece nada, a maioria de alguma forma é penalizada.
Liberdade, que voce sai e não sabe se vai voltar(vivo).
Liberdade, para ter que escolher o mais barato e mais falsificado para se ter alguma coisa.
Liberdade, de olhar e não poder ver.
Liberdade, de saber e não poder dizer.
Por isso que eu acho que na epoca da DITADURA se tinha mais LIBERDADE do que hoje.
Um abraço boa semana.
Beto
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