quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

NÃO PASSOU

Os paralelepípedos da cidade não se arrepiaram.

A cada ano mais distante da ofegante epidemia que o jovem Buarque queria ver passar na avenida, o carnaval mais uma vez ficou bem distante do povo.

Povo que trabalhou, e muito, nos quatro dias de folias. Nos hipermercados, shopping centers, praias, hotéis e restaurantes estavam a postos todos os caixas, empacotadores, balconistas, recepcionistas, recreacionistas, garçons, ambulantes (os que ainda resistem) e funcionários temporários (dando tudo de si para conseguirem a graça de serem efetivados) que ao invés da folia labutaram com resignação e cansaço para melhor atenderem aos clientes de seus patrões.

Nos bairros e nas cidades pequenas, alguns populares tiveram a oportunidade de cair na folia. Seguindo a risca os mandamentos (não sei como alguma editora ainda não lançou o “Manual do folião”!), os pobres trios tocavam as músicas instituídas como sendo de carnaval e os foliões se divertiam conforme a regra: pulando, com as mãos para cima e tirando o pezinho do chão.

Enquanto isso, as emissoras de TV apresentavam os milionários trios da Bahia e as fantásticas escolas de samba do Rio de Janeiro e São Paulo com suas celebridades (?) exibindo os padrões de beleza e conduta adequados à festa. E, como não poderia deixar de ser, ensinando ao povo que o carnaval “de verdade”, como tudo no nosso País, é um privilegio que cabe aos escolhidos e que o lugar do povo é nas pipocas, nos fundos das arquibancadas ou assistindo-os via satélite.

Nos sambódromos e nos trios, nos telejornais e nas revistas, o povo, a música e a folia serviram de coadjuvantes para o exibicionismo de celebridades vazias na forma e no conteúdo. E o samba das escolas, cada vez menos melódico, agoniza na avenida do luxo e dos efeitos especiais. Adeus batucada! Adeus Cartola e Ismael! O rio que passou na vida de Paulinho da Viola desaguou no mar da felicidade artificial e da alegria padronizada poluído pelo lixo da indústria cultural.

Resumindo: o carnaval foi igual ao resto do ano. Opressores, exibindo seus status, suas marcas e produtos, sua falsa cultura e seu vazio, de um lado e oprimidos, sonhando ocupar o lugar dos opressores e figurar lado a lado com eles (até quando?) de outro. Pelas ruas o que se viu foi uma gente que nem se viu, que nem se sorriu, se beijou e se abraçou. Com seus preceitos apolíneos, o carnaval pouco se parece com as festas dionisíacas (festas em louvor ao libertário (e banido) deus Dionísio) que lhe deram origem.

A kizomba de Martinho não é a nossa constituição, atrás do trio elétrico só vai quem paga caro pelo abadá e as mulatas hoje negam seus cabelos. Quando rola a festa, o povo do gueto fica de fora. No grande latifúndio chamado Brasil, o carnaval é uma festa para o povo assistir.

Entretanto, nas ruas de Pernambuco, a embriaguez do frevo, os maracatus e os palcos de seu carnaval plurirítmico varreram com suas vassourinhas os cordões de isolamento, camarotes e lobbys, sob a benção de Naná Vasconcelos e Alceu Valença, mantendo um facho de esperança (“ mais que nunca é preciso sonhar”) de que a vida ainda pode ser bem melhor. Resta saber por quanto tempo essa folia democrática resistirá aos apelos do status quo...

4 comentários:

Leonardo Machado disse...

CLAP! CLAP! CLAP! CLAP! CLAP! CLAP!

na boa, bróder, qualquer comentário meu agora é redundância. Chapinha na mulata e lipo na branquela que esse carnamerda é a passarela.

Só assinando embaixo.

Parabéns, foda demais!

Zilmara Dahn disse...

Carnaval bom era na minha infância. O ápice da diversão era encher copinhos de plástico com confetes e jogar na cabeça dos coleguinhas.Nem prestávamos atenção nas marchinhas de duplo sentido e homofóbicas como " Será que ele é, será que ele é...corta o cabelo dele, corta o cabelo dele".
Carnaval é questão de teor alcoólico.Ou de se ter a sorte de nascer em Pernambuco.

Unknown disse...

putaqueopariu!
Leandrão se superou!
que inveja arretada,
desse texto bonito,
que eu, confesso,
adoraria ter escrito!

parabéns, grande mandador de brasa!

olavo dáda

Walmir disse...

Bonito post, mano blogueiro. Forte. Importante. Relevante.
Paz e bom humor, sempre.
Walmir