quinta-feira, 2 de outubro de 2008

EMOÇÕES

Mal o Sol nasceu e Jorge Guerreiro já pulou da cama. Aquele domingo era dia de eleições municipais e ele como candidato a Prefeito não dormira nem um minuto.

O motivo da insônia era simples: para bancar sua campanha Jorge contou com o apoio de alguns empresários, os quais prometeu facilidades e isenções durante o seu mandato.Caso perdesse ficaria endividado.E desempregado. Abrira mão da reeleição como vereador para se candidatar à prefeito portanto a possibilidade de derrota era inadmissível.Iria arruinar a sua vida, nem Presidente de Escola de Samba poderia ser mais, pois o candidato da oposição iria manter a cidade sem carnaval.

Às sete da manhã, Jota Moreira, o marketeiro da sua campanha chegou à casa do aflito candidato. Tomaram um copo de cachaça e Jota garantiu que a vitória era certa.
- A marchinha está na boca do povo, Jorjão...

- É, mas o samba mais cantado quase nuca é o campeão do carnaval... - refletiu o experiente carnavalesco.

- Só que no carnaval o júri é técnico e nas eleições o voto é popular. Alguma dúvida que se o campeão do carnaval fosse escolhido pelo povo o vencedor seria quem tivesse o samba mais cantado. Eleição é isso: o carnaval do voto. - tranqüilizou o homem do marketing já acostumado a iludir os clientes e seus público alvo.

- Viva a Democracia brasileira!- se animou o candidato. - Mas e o enredo Jota? Achei repetitivo...

Jorge se referia ao tema da campanha: a segurança pública. O slogan era “Jorge, o guerreiro da paz” e dizia que saúde e educação eram supérfluas, pois iam por água abaixo com um tiro na cabeça. O importante para o povo era ter segurança para poder trabalhar e comprar o que quisesse...

- Eleição é repetição. O povo gosta. - concluiu o elaborador do plano de campanha. - Foi tudo impecável. O enredo, o samba, a fantasia – a fantasia eram cavanhaques postiços que eram distribuídos para o povo usar nos showmícios numa referência ao do candidato.

- Uma perfeição foi o nosso desfile – o candidato já estava com lágrimas nos olhos- os carros todos alinhados, as bandeiras, os destaques, o povo todo usando nossas camisas e o gran finalle. Que show! Se bem que eu acho que aquela dupla caipira saiu caro...

- Não é mais caipira. Agora eles formam uma dupla romântica. E você vai ver que foi barato.Quantos votos você acha que tirou da concorrência quando eles pediram emocionados pro povo pensar nos filhos, na segurança das crianças...

- É verdade. Mas além do cachê eu tive que me comprometer que toda quermesse que a Prefeitura fizer, no meu mandato, vai contratar o show deles.Já pensou que merda...

- O povo gosta...

Tomaram mais um copo de cachaça e foram votar.Na porta junto com o povo a bateria da escola de samba tocava a música da campanha acompanhada pelo coro popular:

“Jorjão sangue novo,
É o guerreiro do povo
É gente que faz.
Na minha rua todos são Jorge, são Jorge,
No meu trabalho todos são Jorge, são Jorge...

Esta última parte elaborada por Jota trazia para a campanha o apoio peso pesado de São Jorge, padroeiro da cidade, para a campanha do candidato.Aliança que Jorjão fez questão de firmar no citado showmício prometendo ao povo a “Semana São Jorge”.

- Essa atitude além de justiça com esse santo guerreiro, como nosso povo, que tanto fez por esse nosso Brasil tão sofrido, vai gerar empregos, diretos e indiretos, além de trazer turismo para a nossa região. E isso não é promessa não, vocês me conhecem e podem me cobrar, todo dia 23 de abril, será feriado municipal – concluiu emocionado o Guerreiro candidato.

- Viva São Jorge! Viva Jorge Guerreiro – gritou Jota levantando as mãos do candidato.

Na platéia lágrimas, esperanças, aplausos e cavanhaques postiços enquanto os cabos eleitorais distribuíam freneticamente os panfletos do candidato motivados pela certeza que seriam os primeiros a estarem empregados com a criação da semana milagrosa.

Na porta da casa de Jorjão alguns pedidos de emprego eram ouvidos com atenção pelo candidato que respondia prontamente:

- A questão do desemprego, que tanto abala a juventude de nossa cidade, será totalmente superada no meu governo. E daqui a quatro anos no final do meu mandato ninguém nesta cidade vai mais saber o que é ficar desempregado. Podem apostar...

- Viva Jorge Guerreiro! – gritou um cabo eleitoral enquanto a bateria da escola de samba voltava a tocar a música da campanha.

- Você é um gênio, Jota. – disse Jorge à seu assessor já sentado no banco do carro rumo a escola – Essa música da campanha com a repetição resultando em São Jorge, isso é demais.Você devia ser músico!

- Eu sou publicitário, Jorge. Hoje em dia músico de sucesso e publicitário é praticamente a mesma coisa.Quantas músicas de sucesso que tocam o dia inteiro nas rádios não foram feitas pelos marketeiros das gravadoras? Até mesmo a imagem desses ídolos que aparecem por aí. Eleger um candidato ou criar um músico de sucesso pra mim é a mesma coisa.

Agora se eu fosse músico mesmo, desses que querem um som sofisticado, acham que música é coisa séria, provavelmente taria igual à eles tocando em barzinho pra meia dúzia de intelectuais... – riram os dois da situação da música no país.

Na escola onde votou Jorge foi recebido com aplauso, deu entrevistas, votou e foi visitar outras zonas eleitorais, onde deu mais entrevistas, prometeu acabar com a violência e abraçou algumas senhoras emocionadas. Depois voltou para o seu bairro onde tomou mais cachaça, sambou, prometeu empregos e recebeu o resultado da boca de urna: empate técnico.

Às seis da tarde, horário de início da apuração dos votos, Jorge, que estava trancado no banheiro havia dez minutos, recebeu o chamado do filho Guerreirinho, futuro candidato a vereador:

- Pai, a bateria já está tocando, o povo ta todo lá embaixo gritando o seu nome, vamos descer, chega disso por hoje...

- Já to saindo. Fala que eu estou no telefone recebendo o apoio carinhoso de quem não pode vir...
Saiu do banheiro, acendeu uma vele verde, de “confirma”, para São Jorge e foi assistir à apuração.

No ginásio onde a apuração foi realizada cavanhaques postiços, gritos de “já ganhou”, abraços e alguns pedidos de autógrafo esperavam o candidato que acompanhou a abertura de urna por urna cheio de sobressaltos e idas ao banheiro, entre um copo e outro de whisky.
Mas dessa vez o povo fez justiça e o samba mais cantado ganhou a eleição. O novo prefeito ouvia, com lágrimas nos olhos, a queima de fogos, preparada pelo autor do samba, a bateria da escola e os gritos da multidão que o carregava nos ombros, “é campeão”.

E cheio de emoção e cachaça já pensava no carnaval das próximas eleições.

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