segunda-feira, 3 de agosto de 2009

15 ANOS DE LAMA E CAOS



“Se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”
Tolstói


"Eu vou fazer uma embolada,um samba,rock maracatu, tudo bem envenenado,bom pra mim e bom pra tu,pra gente sair da lama e enfrentar os urubus"
Chico Science

"Computadores avançam, artistas pegam carona"
Fred Zero Quatro






A 15 anos, dos mangues do Recife, emergia “Da lama ao caos”.

O primeiro disco (uso este termo com tranqüilidade, pois ele acaba de ser lançado em vinil) de Chico Science e a Nação Zumbi. O marco zero do movimento manguebit (ou seria manguebeat?). O passo adiante que a cultura brasileira não dava desde a Lira Paulistana. A virada de mesa que faltava para revitalizar a nossa música popular. O complemento da evolução musical iniciada pela Tropicália. A afrociberdelia que desencadearia uma revolução na MPB.

Produzido pelo ex-“Mutantes” Liminha, um mestre em fazer tudo soar bem aos ouvidos, “Da lama ao caos” trazia Recife (A cidade, Manguetown) com seus rios, suas pontes, seus computadores, suas praias, suas antenas, seus urubus, suas vitrolas, seu banditismo, sua fedentina, seu caos, como conceito ao mesmo tempo em que, a partir dessa realidade, desnudava o país inteiro aos ouvidos do mundo.

Misturando - as tão rechaçadas quanto banalizadas - guitarras elétricas com tambores e influências musicais que iam de Manu Dibango a Jackson do Pandeiro, a banda apresentava uma sonoridade que misturava maracatu, rap, rock, embolada, tropicalismo, ciranda, afrobeat, psicodelia, funk, cordel, samba, capoeira e música eletrônica. As letras remetiam a Josué de Castro, Euclides da Cunha, Baudelaire, Jorge Mautner, Malcom X, Osvald de Andrade, revolta praieira, realismo fantástico, Tolstói,Cinema Novo,João Cabral de Melo Neto, ficção científica, Palmares,cibernética e socialismo latino-americano e mostravam as vísceras de uma cidade que através de um modelo equivocado de progresso chegou ao ponto de ser considerada a quarta pior cidade do mundo e retratavam as angustias e conflitos de uma juventude que vivia entre a fome e a evolução tecnológica, a abundancia e a miséria, a crendice e a ciência, a democracia e a escravidão, a lama (criação) e o caos (destruição).

A partir de então, os mangueboys tomaram conta de cena e o pop brasileiro se despiu de qualquer tipo de rótulo. Estava aberto o caminho para uma geração abandonada e que passava a vislumbrar na música popular uma saída para libertar sua imaginação do domínio exterior. O hip hop caminhava de mãos dadas com a embolada, o côco era dub e o maracatu com um tiro certeiro se infiltrava no rock n´roll. Os “carangueijos com cérebro” não só desentupiram as artérias, se não as sociais pelo menos as culturais, do Recife como fizeram jorrar um surto criação musical por todo o país. De Seu Jorge ao Cordel do Fogo Encantado, de O Rappa a Curumin, tudo que foi feito na música brasileira desde então passou seus ouvidos em “Da lama ao caos”.


Lançado pela poderosa Sony Music, o álbum foi eleito pelo editor musical do "The New York Times" um dos dez melhores álbuns de 1994, incluiu pelo menos quatro de suas músicas na galeria dos clássicos da música brasileira, encantou as Américas e a Europa, inseriu o festival recifense “Abril pro rock” no circuito mundial dos grandes festivais de música, abriu caminho para um punhado de bandas de qualidades oriundas do Recife, uniu o Nordeste ao Sul, mudou a cara da música popular brasileira e anunciou que nem só de pagodeiros, bundas e malhação seria feita a juventude dos anos 90. Enfim, modernizou o passado e salvou a música brasileira. Cumpriu sua missão.

Poucos meses depois, era lançado pelo selo Banguelas (dos Titãs) e produzido por Charles Galvin, “Samba esquema noise”, o primeiro disco do Mundo Livre S/A, primo de “Da lama ao Caos” e filho temporão de “Samba esquema novo” (Jorge Ben), que firmaria o manguebit como um movimento de extrema importância no cenário pop brasileiro.

Não é exagero dizer que depois daquele abril de 1994, a música brasileira nunca mais foi a mesma.

Se bem que o caótico Brasil continua naufragando no mesmo mar de lama.

2 comentários:

Anônimo disse...

bela lembrança, leandrão.
e eu quase conheci o science pessoalmente,,,,
deu errado, aí deu a porra do acidente com a merda do fiat...
eu adoraria ter trabalhado com ele e com o fred
bom, o fred tá pelaí...
bravo, lenadrão

VIVA CS!
VIVA A LAMA E VIVA O CAOS - SEM BURGUESIA!

abs
olavo dáda

Walmir disse...

Êh mano.
bela reflexão.
Paz e bem