sábado, 23 de junho de 2007

SONHO IMPOSSÍVEL

“Enquanto o Planeta Terra fica cada vez mais quente as pessoas vão ficando cada vez mais frias”; esta frase escrita por Gerald Thomas em um texto do seu “blog do Gerald” leva-nos a refletir sobre a situação interna dos habitantes e do nosso Planeta.

Os fatores estão interligados e o esquentamento é conseqüência da frieza dos seres-humanos. O consumo desenfreado leva ao esquentamento cada vez maior do globo, mas para haver consumo desenfreado precisa-se de uma humanidade fria. É a falta de calor, o gelo causado pelo distanciamento à sensibilidade artística, pelo desinteresse pela História, pela ausência de idéias e opiniões que leva as pessoas ao consumo frenético.

“Consumo, logo existo.”, a lógica contemporânea, distanciada em todo da análise reducionista de Descartes, generaliza o sentido da vida à conquista do poder de consumo e, a partir de então, tudo, inclusive a fé e a existência do Planeta, tem sua importância balizada pelas regras do mercado.

Vivemos na era da falta de utopia. Em qual ponto da evolução estaríamos sem as utopias que impulsionaram a nossa história, sem as grandes figuras que deram vazão aos sonhos ao invés de buscar aprovação do quase sempre equivocado senso comum? Qual a linha fina que separa a utopia do sonho e o sonho da realidade?

Se algumas utopias resultaram em desastres sociais com resultados catastróficos, foram também os sonhos utópicos que aqueceram a alma de nossos artistas e alavancaram o avanço, não só social e científico, mas também emocional, de inúmeras gerações.

“Eu tive um sonho”, foi através da fé de Martin Luther King em uma utopia
(chamemos os sonhos de difícil realização de utopias, pois assim eles sempre foram tratados), que os negros do Sul dos Estados Unidos conseguiram conquistar os direitos de igualdade que até então parecia impossível de serem concedidos. E como alimento de seu sonho Martin foi buscar as realizações utópicas de Ghandi, que por sua vez se inspirou em Thoureau, e por aí vai...

Não fosse pela utopia de transformar as fantasias de Júlio Verne em realidade e Santos Dumont jamais teria inventado o avião; Foi com a coragem utópica de Colombo que a construção de um novo mundo se tornou possível; Grande parte do pensamento filosófico e visão de mundo que temos hoje foi fundamentada nas utopias de Platão, Tomas More, Rousseau, Marx e tantas outras.

Sem a utopia que reinava na Florença renascentista, Michelangelo jamais teria esculpido a monumental estátua do também utópico Davi, essa sim uma maravilha do mundo moderno construída pelo homem, mas que ficou de fora da eleição das maravilhas contemporâneas, que na verdade é apenas um catálogo para os interessados em consumir turismo (o que é bem diferente de viajar), mas deixemos esse assunto de lado (fica para um próximo texto) e voltemos ao nosso “gelado mundo quente”.

Foram as utopias, e não a busca de riqueza e consumo, que sempre alimentaram as idéias dos grandes artistas do nosso planeta. De Camões à Niemeyer, de Van Gogh à Raul Seixas, a arte do nosso mundo foi sempre produzida à luz das utopias.

Tão distante de Cristo quanto de Nietzche, o homem contemporâneo isola-se com seus aparelhos. Cercado por laboratórios farmacêuticos, efeitos especiais, senhores da Guerra, tecnocratas neoliberais e sem ferramentas culturais e embasamento histórico com que possa defender-se, passa a colaborar, cada vez mais, com o sistema que o escraviza, elimina sua personalidade e congela sua essência.

Na ausência de uma utopia, que o distraia da morte inevitável para a qual caminha, passa a crer na ideologia de uma elite sem Deus e vê nas regras sociais de capital e consumo, o único sentido para a sua existência. Sem nada a dizer, a pensar e a ouvir busca nos aparelhos que o isolou, o conforto para o seu distanciamento da vida, relegando ao segundo plano qualquer ato que não alimente o seu desejo egoísta de realização aparente.

Cada vez mais difícil de tentar imaginar o mundo de John Lennon, cada vez mais presente a cegueira antevista por Saramago. Sem a utópica monarquia das abelhas ( adeus polinização!) e com cada vez menos flores brotando do impossível chão, a concretização do assassinato do Planeta talvez transforme nosso tempo na realização da mais terrível utopia: o Apocalipse.

* Publicado também nos jornais Página Dois ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3555) e Brasileiros e Brasileiras(edição de agosto/2007)

Um comentário:

Anônimo disse...

Lindo texto Leandro..só que a utopia hoje é chegar vivo aos 40...não pelo aquecimento global mas pela fria bala perdida, por ser assaltado e morto enquanto classe média ou ser espancado e morto num ponto de ônibus pelos filhos da classe média.Prepare seu leque..o inferno é aqui!