sexta-feira, 20 de julho de 2007

XENOFILIA (ESSE FILME EU JÁ VI...)

Independência ou morte!

O suposto grito dado pelo nosso libertador D.Pedro I às margens do rio Ipiranga e que serviu de inspiração para a fantasia do pintor Pedro Américo (eu também gostaria que tivesse acontecido como no quadro) não é a abertura de um artigo de reflexão sobre o que foi feito da nossa independência depois do brado retumbante, falaremos de arte. Mais precisamente sobre a sétima arte: o cinema.

O povo brasileiro sempre foi artista em potencial e mesmo com todas as dificuldades e imposições procurou um jeito (e neste caso o termo “jeitinho brasileiro” é bem vindo) de manifestar-se artisticamente. Jeito esse que obteve resultados que serviram de inspiração e respeito por toda a parte do mundo, como a bossa nova, as escolas de samba e seus desfiles, a arquitetura de Niemeyer, a literatura de Machado de Assis, o tropicalismo, entre outros inúmeros exemplos.

No caso do cinema, desde a década de 20, a produção brasileira sofre com a interferência dos distribuidores americanos que, como constatou Noel Rosa, “com mania de exibição não entendem que o samba (a cultura brasileira) não tem tradução”.

Nesses quase noventa anos seriam precisas laudas e laudas para listar todos os artifícios que os distribuidores imperialistas usaram para sufocar a produção local e hoje, mesmo com todo esse discurso de renascimento do nosso cinema, nossa produção continua dependente do comando imperial. Tem razão quem diz que nossa situação já foi pior (Existirá ameaça maior para a cultura do nosso País do que foram o AI-5 e a “Era Collor”?), mas mesmo assim estamos longe de um resultado satisfatório. Um filme brasileiro para ser exibido em grandes salas de cinema (no Brasil!) depende da caridade dos distribuidores e de ser feito em parceria com multinacionais, vide Columbia/Globo, e mesmo assim o tempo de permanência é muito menor que os ocupados pelos “donos das salas”. Ou seja, as salas de cinemas brasileiras estiveram sempre à disposição de combatentes estadunidenses, restringindo tempo e espaço para os nossos cangaceiros e inconfidentes. A dificuldade que um cineasta brasileiro, que não tenha nenhum tipo de associação com os cartéis, encontra para exibir o seu filme no grande circuito é semelhante à de Zé do Burro para pagar sua promessa.

A justificativa mais comum encontrada por colonizadores e entreguistas é de que a produção norte-americana é superior. Depende do ponto de vista. Mas, como por toda a história do cinema sempre se encontraram argumentos para depreciar a produção local em favor da colonização (o nosso idioma não fica bem nas telas, cinema brasileiro é só pornografia, entre outros absurdos) e esse esquema monopolizador não se restringe ao Brasil é melhor nem entrarmos neste mérito, até porque o objetivo é falar da nossa cultura e do país que queremos construir.

Como para as coisas boas também existe um jeitinho, enquanto emissoras, autoridades e a intelectualidade engajada brigam por seus interesses, refiro-me ao absurdo impasse sobre a Ancinav, complicando ainda mais a situação do nosso cinema, algumas pessoas encontram soluções inusitadas: é o caso de Hermano Figueiredo e Paulo Betti.

Hermano é o inspirador do Movimento dos Sem Tela, um projeto que busca outras formas de exibições para filmes verdadeiramente brasileiros que não sejam as salas/shoppings sempre ocupadas com seus homens-aranhas e Harry Porters. Seu projeto mais recente, que conta com o apoio do Ministério da Cultura e da ONG Ideário, chama-se “Acenda uma vela”(nome inspirado também na frase do chinês Confucio:”mais vale acender uma vela que amaldiçoar a escuridão”) e consiste em exibir filmes gratuitamente em velas de jangadas nas vilas de pescadores sob o céu estrelado e o marulho das praias alagoanas. O intuito, além de proporcionar à cineastas independentes um alcance maior de público, é o de prestar assistência artística às pessoas que não têm como pagar os ingressos cobrados pelas salas/shoppings e que, em muitos casos, para irem ao cinema precisam sair da cidade aonde vivem. Além da exibição dos filmes Hermano promove também um debate com as platéias de seus filmes, que já foram exibidos em redes de dormir (Projeto filmes em rede), barrigas de vaca, etc.

Paulo Betti, que fundou com recursos próprios e de outros atores a Casa da Gávea (que além de cursos de interpretação e formação de atores promove palestras e leituras de peças inéditas), desistiu de lutar com o cartel de distribuição e tratou de inserir o seu “Cafundó” no circuito por conta própria. Com uma Kombi e equipamentos de exibição, fez as exibições do filme em praças públicas de cidades do interior, muitas vezes acompanhado por atores do elenco, além de promover discussões sobre o conteúdo e o enredo em questão ( No caso de Cafundó, a discriminação racial e a liberdade de credo).

São trabalhos como esses e os realizados pelos cineclubes que visam construir uma nação de cidadãos, e não uma colônia alienada. O cinema, assim como todas as artes, serve como orientador da cidadania, por isso que lutar com todas as forças por uma consolidação, acima dos interesses pessoais e econômicos, de um cinema verdadeiramente brasileiro (sem xenofobia) é obrigação de todos nós. Enquanto continuarmos servindo de espectadores de produções ianque, de gosto duvidoso e objetivos colonizadores, deixando de lado o esforço, a competência e as superações dos nossos conterrâneos, continuaremos na contramão da construção de uma nação. Ou batalhamos pela solidificação da nossa cultura e educação social, ou ficaremos tropeçando sempre nos mesmos problemas, esperando que um messias nos salve de nós mesmos sem precisarmos abrir mão de nada.

Baseado na declaração da atriz Fernanda Torres na coletiva de lançamento do filme “Saneamento básico” de que o cinema é o saneamento básico da alma, será algum exagero concluir que caso continuemos dificultando a luta dos nossos Saturninos de Brito nos transformaremos em dejetos?

* Publicado também no Jornal Página Dois ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3658)

Um comentário:

Zilmara Dahn disse...

É louvável algumas ações para "levar o cinema onde o povo está".Também acho um absurdo o preço que me cobram numa sessão de cinema. São incontáveis as barreiras para a cultura.(ainda mais no Brasil).Continuo achando que é na escola que se deve aprender sobre cultura brasileira de forma abrangente. Se eu valorizo minha cultura, não me deixarei dominar de forma tão lamentável e xiita aos "heróis" que vem de fora. Quem acha "Sex and the City" incrível é porque nunca ouviu falar de "Tieta". Pedro Almodovar é bom.Mas temos Nelson Rodrigues.Harry Potter é engraçadinho mas, temos o Curupira com seus cabelos de fogo, os pés para trás, chegando em cima de um javali pelas asas do vento. E não foi uma professora britânica quem inventou tudo isso e sim, nossos irmãos "iletrados" da zona rural.Quando o brasileiro se orgulhar de tudo isso, haverá poucos filmes com legenda nos circuitos.

That´s all folks!