quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A ENGRENAGEM

Augusto Boal foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz!

Não falaremos aqui sobre o quão curioso será teatrólogo vir a ser o único vencedor do tão cultuado prêmio em um país onde o teatro tem sua penetração restrita e nem sobre a grande contradição do Nobel da paz ser pago com o dinheiro da venda de dinamites, já que Alfred Nobel foi também o inventor do explosivo.

Acima de tudo isso está a obra de Boal e tudo o que ela engloba: o teatro do oprimido, o teatro legislativo (uma miscigenação de teatro com política bem ao estilo da cultura brasileira), a Libertação de D.Helder Câmara, a luta de Zumbi e do povo de Palmares, os ideais de Tiradentes e Bolívar, a pedagogia de Paulo Freire, a antropofagia modernista, o teatro instrutivo de Brecht e a paz. A paz...

Com a história contada pelos vencedores, a cultura da guerra e das revoluções é, para muitos, a mola que a impulsiona. É a guerra que propaga a opressão. É ela que mantém o governo, a educação e as informações sob controle. E como nos ensinou Cristo, o homem que disse nos trazer a espada: não devemos combater o mal com o mal. Ou seja, a paz só pode ser fruto da paz. Portanto, o teatro do oprimido do nosso curinga carioca é um grande passo rumo a uma sociedade pacífica e verdadeiramente cristã (no bom sentido da palavra).

Ou será que alguém é capaz de vislumbrar alguma possibilidade de paz entre a raça humana com a nossa sociedade dividida em opressor, opressor-oprimido, oprimido-opressor e oprimido? Será que alguém ainda é capaz de crer na paz pela força? Na liberdade vigiada? Nas invasões pela liberdade? Será que alguma esperança ainda pode ser alimentada com o avanço da política excludente das corporações?

A criação de Boal, sua visão de fazer um teatro fora da lógica separatista artista X público, de dar voz àqueles cujos papéis sempre foram assistir e aplaudir ganhou o mundo e hoje é praticado em mais de 70 países. Mais que um prêmio Nobel ao Brasil, um prato cheio para propagandas ufanistas, a sua importância está na proposta: a idéia de uma sociedade sem opressão (moral, física, financeira, intelectual, criativa, religiosa e todas as outras) onde todos são melhores do que se imaginam. Um mundo onde todos têm voz. Não a voz pedinte, a voz de que os ouvidos “superiores” se servem para exercer suas filantropias e exibir sua benevolência. E sim a voz criativa, a voz realizadora, aquela que grita que somos todos capazes e que nossa sociedade não é feita de minorias, líderes e elites, a voz que grita que nossa sociedade é feita de plenos-cidadãos. A voz de um mundo onde todos podem “sentir-se gente com a alma à solta”. Sem opressores nem oprimidos. Um mundo livre.

Com o Nobel ou não, fica a mensagem do filho do padeiro de que enquanto a nossa engrenagem depender da opressão, a palavra paz será apenas uma fala na boca dos canastrões que representam o triste teatro do bem e do mal, há séculos em cartaz na nossa arena social.

Parar de dar murro em ponta de faca e pôr um fim a esse tempo de guerra e opressão é a maior premiação de paz que daremos ao nosso caro amigo Boal, ao teatro do oprimido e a todos nós.

E o Brasil agradecerá.

2 comentários:

Zilmara Dahn disse...

O importante foi transformar "monte de gente" em "grupo de cidadãos". Dar luz à cegueira calculada que outros tiram tanto proveito.E mesmo que não ganhe, já valeu pela indicação e por nos aliviar da fama vexatória de ser um país violentado e violento, pela lei da causa e feito.

bela homenagem!

Walmir disse...

Pois já conversei muitas vezes com Boal, desfrutamos de boa amizade. Ele se serviu do teatro - e ainda se serve - como instrumento. Como muitos outros se serviram da literatura, da música como instrumentos para dar passos humanitários à frente.
É relevante pensar, inclusive, como Boal é muito mais estudado e importante em países como EUA, França, por exemplo - onde muito se publica sobre ele, do que no Brasil.
E é relevante que seus caminhos influenciem os jovens em suas experiências.
Paz e bom humor, sempre, mano blogueiro.