domingo, 18 de janeiro de 2009

DESINFORMAÇÃO

Baudelaire escreveu: “Não compreendo que uma mão pura possa tocar num jornal sem uma convulsão de asco.”.

Neste início de ano a grande imprena brasileira deu sinais de ser digna dessa convulsão de asco na cobertura de dois acontecimentos: os ataques de Israel em Gaza e a não extradição de Cesare Battisti.

Tudo bem que todos nós sabemos que imparcialidade na imprensa é praticamente um conto de fadas, uma utopia que habita os corações dos vestibulandos de comunicação e que cai por terra, junto com os cabelos, logo nos primeiros dias de aula, mas daí a apresentar sempre dois pesos e duas medidas é desprezar o poder de discernimento do receptor.

Vejamos o caso dos ataques: será que se a chamada ofensiva fosse feita pelo Irã, seria tratada apenas como uma ofensiva, uma resposta à ataques, uma tentativa de paz? Ou os âncoras, colunistas e correspondentes estariam a soltar bravatas sendo a palavra “terrorista” repetida duas vezes em cada frase? O quer faz dos ataques do Hamas a Israel terrorismo e os de Israel, simples ofensiva? Por que para a nossa grande mídia alguns países têm direito a matar quem quiser e outros só têm o dever de receber os ataques?

Mais escandaloso ainda é o caso de Cesare Batistti. Como se não bastasse a nossa impren$a (a mesma que no caso do gás boliviano defendeu com unhas e dentes a nossa soberania que, segundo o ponto de vista deles, estava sendo ameaçada) tomar partido do governo Berlusconi em detrimento da nossa constituição – que assegura que nenhum estrangeiro vítima de perseguição política será extraditado - ainda deram um show se omissão, covardia e deturpação dos fatos. Batistti foi tratado o tempo inteiro como “terrorista”, além de o fato de ele ter sido julgado à revelia por um tribunal de exceção, fato admitido até mesmo pelo ex-presidente da Itália, e, portanto senador vitalício Francesco Cossiga, não impediu que ele fosse tratado como assassino (justiça seja feita: a TV Globo mostrou a declaração de Cossiga em favor de Battisti). Quanto ao desrespeito italiano de pedir que o presidente Lula “passasse por cima” do ministro Tarso Genro e extraditasse o perseguido foi noticiada, no costumeiro tom subserviente, como uma atitude normal de um patrão que não tem sua ordem cumprida pelo subalterno.

Como se não bastasse toda a confusão de fatos e posições, alguns (tele)jornalões ainda foram resgatar o caso dos lutadores de box cubanos que queriam asilar-se no Brasil e, segundo a nossa imprensa, foram mandados de volta para as mãos do “sanguinário” governo cubano. Omitiram como já haviam omitido na época, que os lutadores voltaram para Cuba por livre e espontânea vontade, segundo relatório da Polícia Federal e entrevista de um deles ao Granma e que o Brasil concedeu asilo a outros atletas cubanos no mesmo Pan. Curioso é o seguinte: por que o governo errou ao mandar os cubanos de volta e errou de novo ao tomar atitude contrária com Battisti. Por que os cubanos deveriam ficar – mesmo contra a vontade – e o escritor italiano tem que ser mandado de volta? A Band, a mesma que julgou uma desumanidade os cubanos voltarem para Cuba, chegou a usar em seu editorial a palavra “covardia” para classificar a atitude do nosso governo. Não seria uma covardia muito maior se render aos interesses italianos, colocando-os acima, inclusive, da nossa constituição? Foi covarde também a França de Miterrand quando se negou a entregar o mesmo Battisti? Por que a França de Sarkozi negar a extradição de Marina Petrella, a pedido de Carla Bruni e sua irmã (ambas italianas, para os que querem colocar o fato como uma ofensa ao povo italiano) é um ato de humanismo e o governo Lula negar a extradição de Battisti (também doente) é uma covardia? Por que ao invés de condenar Battisti e apoiar o tribunal de exceção a nossa impren$a não trouxe de volta à cena a operação Gládio (apurada em 2000 em um inquérito parlamentar) promovida pelos serviços secretos norte-americanos que praticavam crimes contra civis, sob falsa bandeira, para culpar os comunistas e justificar os tribunais de exceção?

Como vemos a prioridade da nossa grande impren$a são seus próprios intere$$es, os de seus patrocinadores e daqueles que a alimentam politicamente, a última preocupação (se é que existe!) é a informação pública.

Público esse, que embora não saiba, é o verdadeiro dono da concessão.

Por essas e outras é que se faz urgente uma revisão no sistema de doação e renovação das concessões públicas dos meios de comunicação no Brasil.

2 comentários:

Celso Lungaretti disse...

Mandaste bem, Leandro.

Como jornalista veterano, eu acrescentaria que a grande imprensa brasileira, na verdade, estava se lixando para o destino de Cesare.

Sua motivação foi a de bloquear um novo crescimento da esquerda do PT, que anda em baixa desde que o Zé Dirceu saiu do governo.

Dilma, Tarso e o próprio Zé empenharam-se por Battisti. Os reacionários da mídia articularam um rolo compressor para ver se Lula voltava atrás, desmoralizando o Tarso. Foi, claramente, uma ação articulada.

Quando Lula confirmou a decisão do Tarso, o movimento esvaziou-se magicamente. O Jornal Nacional, que fizeram matéria das mais panfletárias contra o refúgio, entoou ladainha bem diferente dias depois.

A própria Veja -- pasmem! -- admitiu que essa decisão possa ter sido correta.

Ou seja, nos círculos do poder, o caso já terminou.

Ruim mesmo foi o papel da imprensa, que, mais uma vez, tentou direcionar os acontecimentos, ao invés de apenas noticiá-los e comentá-los. Deu com os burros n'água.

Um forte abraço e continue desenvolvendo seu ótimo trabalho, companheiro!

Walmir disse...

O que vc disse ao final é que é maisw importante.
Têm que ser revisadas, mudadas, a posse de veículos de comunicação.
Se tem jornal não pode ter TV ou rádio, redes nacionais só em determinados horários, etc.
Capitalismo implica em plena concorrência. Mas aqui o que os senhores da mídia buscam é monopólio da informação. Com vistas a quê? Nem precisa responder, é ou não é?
Abraço, mano