terça-feira, 6 de janeiro de 2009

GENTILEZA

“Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza, a palavra no muro ficou coberta de tinta...”

Saudades de Gentileza. Saudades da gentileza.

O início de um novo ano, com direito a arrastões, quebra-quebras, saques e espancamentos em pleno Dia Internacional da Paz (isso para não falarmos na carnificina de Gaza), é uma ótima oportunidade para trazermos a gentileza de volta para as ruas, lares e escritórios. Para as nossas vidas.

“Gentileza gera gentileza”, dizia o “profeta” que após o dramático incêndio do “Gran Circus Norte-Americano”, em Niterói (1961), deixou de ser José Datrino para se transformar em Gentileza. Convencido de que tinha uma grande missão no mundo, passou quase trinta anos pregando palavras de amor e solidariedade Nas rodoviárias, trens e praças do Rio de Janeiro, nas barcas Rio-Niterói e escrevendo palavras contra o sistema capitalista e de solidariedade nos muros da cidade. Com sua túnica branca e cabelos e barbas longas, definia-se como amansador dos burros homens da cidade.

Mas, infelizmente, o milagre que o Brasil queria não era o da gentileza. A sedução do “progresso de fachada” dos arranha-céus e rodovias, dos automóveis e eletrodomésticos, desviou a atenção da tropa das palavras gentis de “José Agradecido” e o milagre do progresso trouxe consigo a perda da ternura. Seduzido pelo poder do capital, raiz de toda a perversidade do mundo, segundo o profeta, o país caminhou em sentido oposto aos propostos pelo semeador da gentileza, mergulhando nas benesses do milagroso crescimento e na paz sem voz das fardas e esquadrões.

Gentileza se transformou em personagem pitoresco, mais um entre tantos, cuja figura excêntrica fez mais sucesso que a força de suas palavras. Quando morreu em 96, antes ainda tentou convencer líderes mundiais, que visitaram o Rio no Eco 92, da importância da gentileza para a paz mundial, o Rio já vivia a guerra patética das tropas e comandos e a ignorância individualista já era um pensamento corrente tanto na casa grande quanto na senzala. Pouco depois de sua morte, em nome do progresso, os muros onde estavam grafadas suas mensagens de amor e paz foram pintados. De cinza.

Hoje, nos tempos cinzentos de individualismo e isolamento, de pânico e barbárie, em que pensar em um sistema diferente do capitalismo corporativista é uma heresia digna de fogueira, a imagem de um dos homens mais ajuizados que esteve entre nós é tida como a figura de um louco. É uma pena que o Brasil não tenha enlouquecido com ele. Afinal, o mundo de Gentileza, um mundo de desapego aos bens materiais e ternura entre os homens, muito parecido com os idealizados por Cristo, Gandhi e Tolstoi (outros que são lembrados mais pela forma que pelo conteúdo), é muito mais lúcido que o mundo bárbaro para o qual os tecnocratas, publicitários e banqueiros nos empurraram.

Tomara, meu Deus tomara que em 2009, assim como o jardim plantado pelo profeta no terreno onde se deu a tragédia circense, a gentileza floresça e gere gentileza com a mesma intensidade com que proliferou o individualismo burro.

Enquanto isso não acontece, resta-nos acompanhar as atrocidades cotidianas nos obituários televisivos (“Todo dia você lê jornal, ouve rádio, televisão, só vê barbaridade: é crime, é assalto, é seqüestro, é vício, nudez, devassidão, fome e guerra.”) e ouvirmos, cheios de pavor, o lamento de Marisa Monte:

“...só ficou no muro tristeza e tinta fresca...”

Um comentário:

Walmir disse...

Ainda que a gentileza seja a primeira das virtudes, segundo André Comte-Sponville.
O mundo é lento, mano.
Abraço
Walmir