sexta-feira, 21 de setembro de 2007

NOSSA FORMAÇÃO

Vamos falar de nós.


O senador Renan Calheiros continua senador e ocupando a presidência do senado. Pelas esquinas ouvem-se lamúrias e reclamações acerca da estrutura política do País e do comportamento de nossos governantes. E uma pergunta não cala: quem são os inocentes?


Até que ponto não somos cúmplices da estrutura que perpetua o nosso País no paradigma de não ser um País sério? Nem o senador Renan nem os senadores que votaram pela sua absolvição estão lá por nomeação. Foram todos eleitos. Eleitos por uma população que vê beleza em não se interessar por política. Eleitos por uma população que vota com displicência, como se as eleições tivesse a mesma importância que qualquer enquete boboca que as TVs e a internet promovem todos os dias. Perdão; algumas pessoas refletem mais para escolher o vencedor de qualquer reality show que para votar para senador.


Se Renan Calheiros fosse cassado estaríamos todos (orientados pela mídia atordoante e seus sorridentes jornalistas) com a sensação de dever cumprido. No entanto, os corruptores continuariam com seus esquemas; as leis de trânsito continuariam sendo ignoradas (existe no mundo moderno alguma demonstração maior de barbárie que o trânsito brasileiro?); os cidadãos de bem continuariam comprando objetos roubados; as oficinas de desmanche de carros roubados continuariam vendendo suas peças para exemplares pais de família; as faculdades continuariam trocando diplomas por dinheiro e nas próximas eleições mais um show de displicência seria apresentado nas urnas. E todos nós teríamos a certeza de que as coisas (é verdade, Drummond: são tão fortes as coisas!) estariam melhorando, como se a (des)moralização de um país dependesse de uma cassação.


Pergunto: qual seria o grande avanço? Presidentes já tiveram o mandato interrompido, inúmeros deputados e senadores já foram cassados, já tivemos CPIs para todos os gostos e preferências, e o que mudou? O Brasil continua sendo a Eldorado de Glauber Rocha, com seus Diaz, suas Explints, seus Vieiras e seu eterno transe. Se nada mais sério acontece como reação ao descaso com que os interesses do País são tratados por nossos legisladores é porque no fundo, bem lá no fundo, sabemos que somos farinhas do mesmo saco. Se uma reavaliação moral, uma revolução de valores, não acontece é porque sabemos que o descaso deles é também o nosso; é porque para nós, assim como para eles, o interesse comunitário está sempre abaixo dos interesses pessoais.


A festa de bandeiras com guerra e Cristo na mesma posição, que Glauber julgava não ser mais possível continuar, ainda é a nossa mais perfeita alegoria. Sempre um escândalo precedido e precedendo o descaso. Sempre o mau gosto, a ganância e ignorância da elite monarca (não se iludam, eles não cansam), sempre a subserviência e o entreguismo da mídia catequista, sempre o messianismo preguiçoso da classe média bandeirante e sempre a ingenuidade e impotência da fé das massas selvagens. Essa é a nossa cara. Esse é o nosso negócio. Há quarenta anos um gênio do cinema retratou os descaminhos desse jogo insano e, há vinte, um poeta da música popular, armado de nojo e mágoas, aconselhou-nos ir à luta. O jovem cineasta morreu e o jovem poeta também. E tudo permanece intocável. Como se nada nunca acontecesse. Como se estivéssemos parados em um tempo estático em que os acontecimentos diários se desfazem ao anoitecer e no dia seguinte tudo volta para o lugar onde estava, cada qual no seu canto e em cada canto uma dor, para repetir-se. Sem passado e nem futuro. Sem remorsos e nem perspectivas. Apenas a falsa paz sem voz.


Como diz o ditado: há males que vêm para o bem. A não cassação do senador Renan é uma ótima oportunidade de pararmos um dia, não para dizer que cansamos, mas para fazer um mea-culpa e analisarmos o quanto cada um de nós abandonou os interesses do nosso País para satisfazer nossas mesquinhas ambições sem percebermos que nós, o povo, somos a única força capaz de mudar a História.


Se não começarmos por nós mesmos, por livre e espontânea vontade, a construção de um país decente, nenhum messias o fará por nós.

* Publicado também no jornal "Página Dois" ( http://www.paginadois.com/conteudo.php?c=3966)

8 comentários:

Talita Avila disse...

Pois é, diante de todas essas barbaridades sociaes que estão aos nossos olhos todos os dias, ainda assim somos fracos e um povo decadente, enquanto não tivermos a coragem de pensar e agir por nós e nossos descendentes não teremos o verdadeiro valor da alma humana, da verdade em cada um de nós....Nossa cidade, nosso país, nosso planeta são na verdade a nossa casa, nos limitamos a achar que o que importa é nosso quintal, nosso bom emprego, nosso mundinho, sem ver que na verdade somos muito mais amplos que isso...E não adianta reclamarmos e concordarmos com a midía se na verdae continuamos de mãos e mentes paradas pra lutar pelo nosso povo, pela nossa cultura, pela nossa patria, nossos filhos...LUTARRR!

Unknown disse...

Valeu, Leandro essa é a mais pura
realidade do que vem acontecendo
e esta muito em moda falar-se dos
corruptos, mas esquece-se os mento-
res, que são os "CORRUPTORES".
Aliás no OPNIÃO NACIONAL da TV Cultura de ontem (20/09) o Demetrio
Mangnoli citou exatamente tudo isso
que você falou, e os Senadores com-
portam-se como foras da lei, fazendo reuniões escusas para inocentar ou culpar a quem a êles
interessa."ÊSSE PAÍS MORREU" juntamente com o operário que virou
PRESIDENTE (?)

Walmir disse...

Boa reflexão, rapaz.
Ninguém, de nenhum partido; ninguém da PF, do MP, da grande mídia, pediu investigação da Mendes Jr que, supostamente, financiou a barrigada errada do Renan. E$ todos ficaram agradecidos a ele que, em nenhum momento, jogou na roda a questão das empreiteiras e financiadores ocultos de campanhas.
Paz e bem

Anônimo disse...

Depois de ler e refletir sobre o caso que o texto descreve com total clareza, fiquei perplexo, principalmente sobre o ponto em que a estrutura política que gera absurdos na política Brasileira, é totalmente compatível com os princípios que são dilacerados pela sociedade em cada canto do país. O mesmo cidadão capaz de elaborar gritos de revolta sobre a absolvição do senador em questão, também é capaz de financiar todos os tipos de inflamações sociais contempladas dia-a-dia em nossa sociedade, inflamações essas, causadoras de dores tão graves e prejuízos tão irreparáveis que tornam o Brasil o país que temos. Absurdos e revoltas deixadas de lado, termino me perguntado, isso algum dia irá mudar?

Parabéns Leandro.

Wagner Alencar.

celsolungaretti disse...

A cassação do Renan seria mera catarse, concordo. Cheguei a escrever isso.

Mas, a absolvição de mais um corrupto reforça essa sensação terrível de impotência entre os cidadãos de bem.

No fundo, a mídia é mesmo culpada. Conferiu demasiada importância a um caso que estava mais para "Severino - O Retorno".

Aí, acabou virando uma batalha entre o Bem e o Mal. E o pior foi que o Mal venceu...

Devemos escolher as lutas certas para travar. Essa não significaria uma vitória importante, mas acabou sendo uma derrota importante.

Canoa furada, portanto.

Zilmara Dahn disse...

E eu que vi a Leda Nagle em seu programa diário, onde falavam do"jeitinho brasileiro",dizer que depois de uma infração no trânsito, ficou constrangida por só ter cinco reais na carteira para a cerveja do guarda.E ele: " cinco reais?..pff..deixa pra lá..vai embora!"
Sim. Não era piada. Ela contou sem o menor pudor. Acredita? E essa pessoa tem um programa.Diário.E o guarda? sem comentários.

E aí o povo vem falar de Renan? Vem falar de passeata pela paz? Abraço simbólico na lagoa Rodrigo de Freitas? Vota no Clodovil e depois diz que cansou?

E quem matou a Taís?


blééééérrrrrrrrr


e viva o povo brasileiro!!!!!!

Anônimo disse...

Pois � ral�. O que pega � q o problema �tico � muito mais fundamental. A forma�o, no sentido mais elevado da palavra, se � q ele ainda existe, do 'cidad�o brasileiro' � prec�ria e completamente orientada pela m�dia. Ent�o, no "plano dos efeitos", isto � fulano ser ou nao cassado e 'exemplos' do g�nero, a coisa n�o se resolver� - vide impeachments afins.
� preciso aprender a VER de novo. Sem trocadilhos globais.
abra�o, irm�o!

Anônimo disse...

Por que nao:)